Crítica: “A Imaginária”, de Adalgisa Nery

Em um tempo em que a literatura feita por mulheres se transformou em gênero, Adalgisa Nery (1905 – 1980) reinaria em absoluto. Mas ela morreu sem o reconhecimento que lhe era devido, esquecida em uma clínica de repouso em uma espécie de exílio autoimposto. Precisaria que sua morte completasse 35 anos para que sua obra voltasse ao prelo.

A Imaginária (José Olympio, 352 págs., R$ 40) foi publicado em 1959 e se transformou em um best-seller. Ainda que o termo nem existisse, Adalgisa já fazia autoficção, gênero tão comum em nossos dias. No livro a autora se transforma em Berenice, menina meiga que vê o mundo como um vasto espaço a ser explorado. Quando criança, a personagem sonhava em se ruma árvore; adulta, tentava fugir do casamento conturbado e cheio de problemas com a família do marido.

Adalgisa foi casada com o pintor Ismael Nery, de quem ficou viúva antes de completar 30 anos. Um dos trechos mais fortes de A Imaginária é justamente quando o marido de Berenice – à beira da morte – a abraça somente para sujá-la com o seu sangue. No velório, a sogra da personagem contrata um fotógrafo para retratar do filho morto – ajeita-lhe o cabelo, faz poses com o defunto e o trata como uma “criança ou um boneco”. Verdade ou ficção? “Ali tem muita coisa de minha biografia, tem muita coisa reforçada com minha imaginação”, disse a Adalgisa certa vez.

Após a morte de Ismael, ela se casou com Lourival Fonte, diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) durante a ditadura de Getúlio Vargas. A relação não foi menos complicado, mas colocou Adalgisa na política, permitindo que ela fosse eleita deputada estadual. O cargo foi caçado pelos militares em 1969.

Vida e arte

A Imaginária tem ecos de Clarice Lispector e Virginia Woolf, talvez de forma inconsciente. Amiga de gente do calibre de Murilo Mendes, Pedro Nava e do casal Frida Kahlo e Diego Rivera, Adalgisa vivia em um mundo de efervescência cultural e social, um prato cheio para a ebulição artística com seu primeiro livro de poesia, Poemas, lançado em 1937.

Berenice tem essas cores: a necessidade de sentir o mundo, colocar as diferenças entre os seres humanos de lado (outro ponto forte: a primeira menstruação de Berenice é também o momento em que ela percebe as diferenças sociais após ser hostilizada por uma menina rica). Adalgisa Nery constrói um relato doloroso, mas condizente com a personalidade de uma pessoa que questionou tudo e todos.

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