Biografia de Leonard Cohen deve sair no Brasil ainda neste ano

Quando o cantor e poeta canadense Leonard Cohen completou 80 anos, em 2014, ele revelou que voltaria a fumar. “O que tinha para ser vivido já havia sido vivido”, brincou enquanto segurava um cigarro entre os lábios. Octogenário, Cohen continua na ativa e lançou no ano passado o disco Popular problems. No Brasil, sua carreira musical possui o reconhecimento que um artista do seu peso merece, no entanto, seu trabalho literário ainda está distante do que lhe é de direito. Talvez o cenário mude com a publicação da biografia mais completa, I’m your man: the life of Leonard Cohen, escrito pela jornalista musical Sylvie Simmons, que tem no currículo livros sobre Neil Young e Serge Gainsbourg. Ainda em processo de tradução, a biografia sairá pela editora Best Seller e não tem título definido.

Para Simmons, é impossível dissociar a poesia da música de Cohen. Ainda assim, no Brasil temos disponível somente a coletânea de poemas Atrás das linhas inimigas de meu amor, com organização e tradução do curitibano Fernando Koproski, e o primeiro romance escrito pelo canadense: A Brincadeira favorita. Beautiful losers, a novela lisérgica e apocalíptica de Cohen, permanece inédita por aqui, mas já teve os direitos adquiridos pela Cosac Naify.

A Contracapa conversou com Sylvie sobre a escrita de I’m your man: the life of Leonard Cohen, sua relação com o cantor e também o atual cenário da música pop.

O seu livro é a biografia mais completa de Leonard Cohen disponível. Quando você começou a escrever tinha como objetivo esse senso de completude ou a escrita é que se tornou cada vez mais intensa com detalhes da vida pessoal e artística de Cohen?

De início, na primeira vez em que falei com Cohen, meu objetivo era escrever a biografia mais completa possível. Existiam duas razões para isso e ambas estão relacionados com o porquê de alguém passar anos imerso na vida de outra pessoa. A primeira razão, é claro, é a fascinação pelo assunto. Como jornalista musical eu havia me encontrado e entrevistado Cohen por vários anos, mas ainda sobraram muitas coisas que eu queria saber e também o mistério do homem e seu trabalho que eu tanto desejava compreender. Então, eu li todos os livros sobre ele mas ainda sentia que não o conhecia. Alguns livros o apresentavam como poeta e figura literária que caiu na música popular e outros o colocavam como músico que caiu na literatura.

Escrever uma biografia de alguém como Cohen é um processo longo e complexo de pesquisa e escrita. Qual a maior dificuldade que você encontrou?

Uma das coisas mais difíceis é manter o senso de distância do biografado. Quando você está examinando a vida de alguém o dia todo, todos os dias, com tamanha profundidade – conversando desde ex-namoradas dessa pessoa à mãe de seus filhos, seus amigos de infância, seus amigos monges e rabinos, os produtores musicais, os editores de seus livros – é como se você vivesse a vida dessa pessoa em alta velocidade dentro da sua própria cabeça. E isso não para, nem mesmo quando você dorme. Mas em algum momento, na luz do dia ou no brilho da tela do seu computador, você precisa avançar pelas pilhas e mais pilhas de “evidências” que acumulou em sua pesquisa, seu trabalho de investigação e suas entrevistas (e tudo isso você precisa checar os fatos antes de usá-los) e juntar as peças como o quebra-cabeça 3D de um DNA. Sim, isso é realmente muito maluco. Mas a parte mais complicada ou menos prazerosa não tem nada a ver com pesquisar e escrever e sim toda aquela coisa prática e sem fim: conseguir permissão para citar m&ua,cute;sicas, livros, matéria, etc, enquanto tenta negociar um preço justo (as pessoas não percebem que é preciso pagar muito dinheiro para citar poucos versos de uma canção) ou negociar com um editor que tem a sua própria ideia de como o livro deveria ser.

Por trás do cantor, compositor e poeta, existe um homem comum e você explorou isso muito bem. Mas Cohen também é descrito como um conquistador. Enquanto você conversava com ele, qual destas “personas” está mais presente?

Ele é definitivamente um conquistado – e ele ama as mulheres. Mas ele não ama as mulheres apenas “horizontalmente” – ele as ama na “vertical” e em todos os ângulos. As mulheres são a razão de suas primeiras poesias e ainda são suas musas. Mas elas são também suas amigas de trabalho e colaboradoras. Cohen fez discos em parceria com Sharon Robinson e Anjani Thomas. Ele teve uma engenheira de som por anos. Sua primeira empresária também foi uma mulher. A primeira pessoa a gravar suas músicas – e levá-las para o palco – antes mesmo que tivesse contrato com uma gravadora foi uma mulher, Judy Collins. Canções como “I’m your man” (Eu sou seu homem), que dá nome ao meu livro, brinca com a ideia do “conquistador” como personagem (Cohen menciona usar uma máscara na letra dessa música) mas isso não faz justiça ao Cohen fora do palco, que é um galanteador, sim, porém, ele é também uma figura erudita, articulada, graciosa, cavalheiresca, compreensiva e profunda. E que se veste com um terno! Em aproximadamente 40 anos de jornalismo, conversei incontáveis vezes com celebridades e, na primeira nosso primeiro encontro, ele ou ela não eram nada do que eu esperava que fossem. Por exemplo, Iggy Pop – na primeira vez que o encontrei, não muito depois de vê-lo saltar do palco, quebrar um dente, e ter sangue escorrendo pelo queixo – estava em uma cadeira, usando óculos de leitura e lendo um livro sério. No entanto, Leonard Cohen é completamente e totalmente “Leonard Cohen” dentro e fora do palco.

Sylvie tem no currículo livros sobre Neil Your e 
Serge Gainsbourg. Foto: Divulgação.

O jornalista e biógrafo brasileiro Ruy Castro disse uma vez que era mais fácil escrever sobre alguém que já morreu, pois você não precisa satisfazer o ego do seu personagem. Você teve a experiência de biografar um artista morto (Serge Gainsbourg) e um vivo (Cohen). Portanto, pergunto: Ruy Castro estava certo?

Isso é verdade na maioria dos casos, mas com Cohen eu estava na posição perfeita de ter sua ajuda sem nenhuma interferência. Ele não me pediu para ler o livro em nenhum momento, não impediu ninguém de conversar comigo, foi generoso dando seu tempo, entrevistas, fotos e arquivos pessoais. A única coisa que me disse sobre o livro foi: “não deixe que eles [os editores] encubram meus erros”. Bem oposto a ter seu ego inflado. Esse tipo de confinça e aceitação é rara – e sem preço.

I’m you man: the life of Leonard Cohen [ainda sem título no Brasil] será publicado por aqui ainda neste ano. Apesar da música dele ser conhecida no Brasil, o trabalho literário ainda é obscurecido – somente o poeta curitibano Fernando Koproski traduziu os poemas de Cohen e, dos dois romances, apenas “A Brincadeira favorita” foi publicada. Você acha que seu livro pode iluminar a poesia e a ficção de Leonard Cohen no Brasil?

Seria maravilhoso se isso acontecesse. Desde que meu livro saiu nos Estados Unidos em 2012, eu tenho recebido muitos e-mails e cartas de fãs do trabalho musical de Cohen que, após terem lido a biografia, compraram os romances e os livros de poesia e estão pela primeira vez. Espero que isso também aconteça com a edição brasileira. Para o próprio Cohen, sua poesia e sua música são inseparáveis, tudo é parte do seu trabalho de vida. Um dos momentos mais significativos momentos de sua juventude é quando, aos 15 anos, ele encontrou a poesia do espanhol Federico García Lorca. Cohen disse que quando leu aqueles versos ouviu mú,sica em sua cabeça. Pouco depois disso ele comprou o seu primeiro violão. Existia música, disse ele, por trás de tudo o que escreveu: a poesia, as duas novelas, muito antes de sonhar em assinar com uma gravadora.

Pela sua experiência como jornalista e historiadora musical – que começou na metade da década de 70 – você acha que a música está melhor ou pior?

Eu vi o showbusiness mudar muitas vezes, mas nunca tão drasticamente como agora. É como se fosse um “velho oeste”. Talvez, em algum momento, a troca de tiros acabe, os bandidos vão deixar a cidade, a poeira vai assentar, as pessoas que amam a música, quem escreve música ou sobre ela vão ter uma ideia melhor do que está acontecendo. A pior coisa do estágio atual da música “como negócio” é que muitos “usuários” dela tem uma visão muito diferente da música em si do que nós, que crescemos nos “anos de ouro”, que foi a década de 1960 – mas existiram momentos grandiosos depois desses anos também. As pessoas agora não compram CD ou LP. Elas fazem download de uma canção para ouvir no celular (!) e consideram a música como um produto que tem que ser obtido de graça. Por isso, os selos que restaram vão assinar somente com grupos “seguros” [de lucratividade] e nada de novo. Não existe mais a criação de um novo talento. Ainda existe boa música lá fora, no underground e muito além do mainstream. Uma coisa boa desses selos pequenos e independentes e discos lançados pelas próprias bandas é que o campo está muito aberto. Ei, até eu mesma lancei um álbum. Eu assinei com um selo independente ano passado chamado Light in the attic e lancei o meu disco de estreia com canções que gravei com um música norte-americano chamado Howe Gelb-Giant Sand. Para quem quiser conhecer ele está disponível na internet de graça ou para aqueles que amam a música também pode ser comprado em CD (e estou bem feliz por isso) e em LP.

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