A pandemia é um fato real e inevitável, realizando-se contra a vontade dos clubes. É o que o Direito conceitua como força maior. Melhor ainda: é o que o professor Marçal Justen Filho ensina como evento de natureza extraordinária.
O notável mestre vai além: em eventos como esses, além dos institutos tradicionais (causalidade, boa-fé e lealdade), devem concorrer a solidariedade e a isonomia para se dar o justo equilíbrio aos contratos.
Agora, pergunto: como convencer os jogadores de futebol de que, por lei, os clubes têm absoluta razão na proposição de reequilibrar a equação financeira dos contratos, com a redução do salário?
Se perguntarem aos jogadores se eles aceitam essa redução, dirão que não. Mas, se perguntarem a razão pela qual não aceitam, não saberão responder. Em um mercado cuja reserva de ideal está esgotada, e que o exercício da profissão só tem o objetivo financeiro, o consenso é impossível.
E se o motivo não se esgotasse neste fato, os clubes, mal orientados, estão tratando em equívoco da questão. O acordo coletivo através de entidades de representação da classe, legalmente, não é possível.
É que o contrato do jogador é regido por uma lei especial, que a torna uma profissão especial, descartando-a como um tipo comum. E, por ser um contrato especial de trabalho desportivo (é a expressão da lei), individualiza interesses, deveres e direitos.
Daí ser a condição de validade, a assinatura do próprio atleta. Nem mesmo um mandato com poderes específicos é aceito pela Lei Pelé. Se há a mínima possibilidade de um equilíbrio consensual, tem que ser individual, entre cada clube e seus jogadores.
O principal obstáculo é outro e favorece a maioria dos jogadores. O parágrafo 1º, do artigo 501, da CLT, afirma que “a imprevidência do empregador exclui a razão de força maior”. Isso quer dizer o seguinte: os clubes que são devedores contumaz de salários não podem buscar proteção na lei trabalhista.
É justo que Flamengo, Athletico Paranaense, Coritiba, Grêmio, Internacional, Fortaleza, Palmeiras e Bahia possam pedir o benefício da lei, pois cumprem as suas obrigações em dia.
Mas, é razoável que clubes como Cruzeiro, Atlético-MG, Botafogo e Fluminense, que são devedores contumazes de salários, sejam alcançados por algum benefício, se eles concorrem para a própria desordem. Não foram o que a lei exige, previdentes.
O caso me lembra da fábula clássica de La Fontaine, “A cigarra e a formiga”, que nos contam quando crianças, para ensinar o valor do esforço e do trabalho.