O ensinamento das nossas avós contra a desinformação na Saúde

Foto: Deposit Photos

Por Márcia Huçulak*

Nos últimos anos, a epidemia de desinformação na saúde e, principalmente, sobre vacinas se tornou quase tão grave quanto as doenças em si.

O problema, que chegou ao auge durante a pandemia de covid-19, mostra fôlego e continua a prejudicar não só o combate no campo da Saúde Pública, mas também o necessário e, em grande parte das vezes, saudável debate público sobre o tema.

Tivemos esta semana na Assembleia Legislativa do Paraná alguns posicionamentos de parlamentares sobre vacinas da covid-19. Não chegou a ser um debate propriamente dito, dada a dinâmica dos discursos em plenário.

Mas ficou claro que dois anos após o fim formal da pandemia, a reincidência de desinformação continua na ordem do dia de maneira preocupante, principalmente porque ela é decorrente mais de aspectos ideológicos do que – como deveria ser – epidemiológicos, de respeito à ciência.

Precisamos lembrar o óbvio, que se consolidou em mais de 200 anos desde que o primeiro imunizante foi criado: vacinas são eficazes, seguras e salvam milhões vidas.

Não se pode desprezar um fato amplamente comprovado e comprovável: as vacinas são – sempre – resultado de rigorosos testes clínicos, revisados exaustivamente por comitês independentes de especialistas, o que garante segurança às pessoas e eficácia contra a doença.

Há efeitos colaterais? Como para todos os medicamentos (inclusive uma simples aspirina infantil), pode haver, sim, em ALGUNS casos, numa probabilidade muito reduzida e geralmente situações simples, como uma dor de cabeça, febre, indisposição.

É simplesmente mentiroso espalhar que vacinas provocam enfarte, matam ou carregam chips de controle e outras sandices.

Para combater um inimigo que pode ser incontrolável e invisível (vírus, bactérias ou outros patógenos) é necessária racionalidade, que deve ser a marca de cientistas e gestores responsáveis. A História das grandes epidemias ou pandemias já ocorridas é didática nesse ponto.

A irracionalidade é uma inimiga consistente da ciência. Aliás, a grande batalha da ciência é justamente contra a irracionalidade, a favor da busca de explicações pautadas em dados que comprovem uma hipótese.

Infelizmente, o negacionismo bebe nessa fonte e causa um grande desserviço à saúde das pessoas, ampliado por redes sociais em mensagens de cunho emocional ou irracional, desacreditando os imunizantes, criando problemas fictícios e afastando as pessoas dos postos de saúde.

Vacinas não são de esquerda nem de direita.

O negacionismo usou e abusou de controvérsias durante a recente pandemia de covid-19, negando em larga escala medidas de cunho científico sobre vacinação, transmissão do vírus, necessidade de isolamento, além de criar teorias da conspiração sem pé nem cabeça. Um ataque feroz.

O vírus não negocia com o ser humano. Ele age com o intuito de se reproduzir. Até onde sabemos, os vírus não compartilham noções de “liberdade” como as que nós temos, como seres racionais que devemos ser.

Convém lembrar: a pandemia só acabou por causa da vacina, que também é responsável por manter a covid-19 sob controle. Se a vacinação diminuir ou parar, o patógeno volta se proliferar no nosso meio! É da natureza dos vírus! Vale para a covid, para a influenza, para o sarampo, a poliomielite, para a coqueluche e para outras doenças cuja imunização massiva precisa ser feita periodicamente. Sempre!

Vejamos como isso vem se traduz hoje na prática.

Boletim epidemiológico da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) de março, mostra que crianças de 0 a 6 anos representam 18,5% dos casos atuais de covid. Uma suposta e falsa “proteção” de crianças, entretanto, é usada com freqüência pelo movimento anti-vacina, que vê riscos inexistentes no imunizante.

A única faixa etária com uma proporção maior de infectados atualmente no Paraná é a das pessoas acima dos 80 anos. Mais de 85% das mortes decorrentes dessas infecções ocorre entre aqueles que não se vacinaram ou não completaram o esquema vacinal (ou seja, não tomaram todas as doses).

Morre quem não se vacinou adequadamente. Inclusive crianças, cuja responsabilidade pela vacina é dos pais ou responsáveis.

Existe efeito mais desestabilizador para qualquer família do que a morte ou uma doença grave de um ente querido? O que protege mais uma criança: vaciná-la ou não? Observados os critérios de racionalidade, amor e respeito aos familiares, as respostas me parecem claras.

Outro fator que agrava o problema: os detratores da vacina contra covid-19, podem nem perceber, mas estão jogando contra todas as vacinas do nosso Programa Nacional de Imunização, que tantos avanços trouxe à saúde pública brasileira.

Aflora dessa absoluta distorção a volta de mortes evitáveis de bebês, como foram dois casos de coqueluche ocorridos em Curitiba no ano passado, devido à não aplicação da vacina – que estavam e estão disponíveis em toda rede. Foram 11 anos sem óbitos pela doença.

É muito irracional negar anos de estudos e pesquisas sérias, que descobriram inúmeras vacinas e medicamentos que salvam tantas vidas diariamente. Não teríamos melhorado o diagnóstico de doenças e o controle de cânceres, que nos permitem viver mais.

Quando temos desafios presentes, sempre é bom recorrer ao conhecimento do passado. Que tal resgatarmos um ensinamento de nossas mães e avós, que, com sabedoria, nunca cansaram de repetir? Com saúde não se brinca!

Precisamos ter consciência de que vieses ideológicos estão comprometendo décadas de avanço na Saúde Pública, que tem no Brasil, no Paraná e em Curitiba exemplos de gestão que salvaram milhões de vidas.

Foto: Valdir Amaral / ALEP

*Márcia Huçulak é deputada estadual (PSD-PR), líder do Bloco da Saúde Pública da Assembleia Legislativa do Paraná e ex-secretária de Curitiba. Tem mestrado em Planejamento de Saúde pela Universidade de Londres e especialização em Saúde Pública pela Fiocruz.

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