Por Rosy de Sá Cardoso*
No princípio, era o caos. Depois, criando o céu e a terra, disse: “Haja luz”. E houve luz. Viu Deus que a luz era boa e fez a separação entre a luz e as trevas. O Homem, criado por Deus à Sua semelhança, encontrando a luz e as trevas, compreendeu, foi compreendendo através dos milênios e está disto convencido até os nossos dias, que é preciso que haja luz, e sua luta em lusca de luz é incessante.
Partindo do nada, do simples existir, o homem foi obrigado, pelas leis naturais, a lutar, acender fogo, matar, amar, comer, fazer contas. Foram descobrimentos após descobrimentos, gerações após gerações, desde o dia em que o habitante das cavernas contou nos dedos as pessoas que com ele viviam e os frutos que havia para alimentar a todos, até as matemáticas atingirem o ponto em que hoje estão.
Citemos e louvemos Neper e sua Teoria dos Logarítimos; o Cálculo Infinitesimal e seu descobridor, Isaac Newton; Descartes e a Geometria Analítica; a Teoria dos Grupos e, com ela, o nome de Galois; exaltemos, enalteçamos todos os notáveis trabalhos de matemática e seus descobridores, de tanto valor para o estudo, a ciência e a vida.
Juntemos todos os elogios e aplausos que devem ser tributados aos grandes nomes da matemática, e não serão eles capazes de traduzir uma pequena parcela de nossa admiração pelos árabes, introdutores no mundo ocidental desses rabiscos mágicos aos quais nem ligamos assim tanta importância: os algarismos.
Persas, chineses, egípcios, hindus, gregos, babilônios, romanos, os mais avançados povos da antiguidade preocuparam-se com as matemáticas, todos estudaram seus vários aspectos, mas o Ocidente deve aos árabes (entendidos neste termo os povos árabes em geral) o completo conhecimento da ciência que era quase exclusiva do Oriente.
“…ordeno-vos que procureis instruir-vos…”, “…Oh! Crentes! Instruí-vos em tudo. Nas ciências úteis e nas ciências agradáveis… Árabes – o primeiro povo letrado do mundo”… “Instruí-los no Alcorão e no Saber.”, “…ordeno que todos os crentes saibam ler, escrever, calcular…”; por essas citações – respectivamente Suratas 1ª, 2ª e 3ª do Alcorão -, poremos perceber a preocupação dos árabes com relação ao estudo, o que, também, serve de explicação para a recepção que deram eles, conquistadores em terra estranha, à cultura dessas terras sobre as quais exerciam o seu domínio, e tomando-se, como cita Fernando Almeida e Vasconcellos em “História das Matemáticas na Antiguidade”, “o intermediário feliz entre a Europaocidental, menos civilizada, e o mundo asiático.”
Incrementando comércio com o longínquo Oriente, ávidos de novos conhecimentos, os árabes tudo aprendiam e queriam aprender, e, na história da evolução do pensamento humano, papel dos mais relevantes cabe à sua civilização, por ter brindado novos e desconhecidos elementos de progresso e desenvolvimento, que atingiram todo os setores da vida: agricultura, artes e literatura, ciências e indústria.
Trouxeram eles a bússola, a pólvora e o papel, da China; tornaram conhecidas e difundiram culturas como: cana-de-açúcar, arroz, açafrão, feijão, aspargo, etc; milenárias indústrias do Oriente – fabricação de tapetes e tecidos feitos à mão, trabalhos artísticos em couro, metais, madeiras, veludos -,tornaram-se conhecidas no mundo inteiro graças aos árabes.
Conquistando terras do então bárbaro Ocidente (Europa), trouxeram, como já tinham trazido para seus povos e seus vizinhos, e ali deixaram – com a semente da guerra, que germinou e progrediu por séculos e séculos -, algo muito mais valioso, de muito maior destaque, que, se assim, podemos dizer, compensou tudo o que de mal pudessem ter eles trazido consigo: a Aritmética e a Álgebra hindus, a Geometria grega, a Trigonometria muçulmana.
De 756 a 1212 ao mesmo tempo em que Bagdá era a capital da cultura oriental, Córdoba, na Espanha (sob domínio árabe), tinha reservado para si o cognome de “rainha intelectual do Ocidente”, e deixou de contribuir com suas luzes para a divulgação e o estudo das matemáticas, pelo menos durante uns quatro séculos, após a derrota dos muçulmanos.
Alguarismi, ou Alkarismi, de Al-Khwarismi, nome vulgar do mais ilustre dos matemáticos árabes, Abucháfar Mohammed Abenmusa ou ibn Musa, escreveu uma aritmética – “Al’djabr w’al moqabalah”, título de onde derivou a palavra álgebra – que se constituiu, por alguns séculos, na mais rica fonte de essenciais noções de álgebra e aritmética. A obra de Al-Khwarismi ensinava não só frações simples, as quatro operações fundamentais e a prova dos nove (chamada “a balança” pelos árabes) para as três primeiras, como, e principalmente, indicações sobre a escrita dos números – algarismos arábicos.
Traduzida inicialmente para o latim, depois para o espanhol, italiano e outros, passou da Espanha para o resto da Europa, e dali para o mundo, o domínio geral do sistema de numeração decimal por sinais práticos e fáceis (que o árabe, trazendo do hindu, aprimorou, modificando para melhorar a forma dos símbolos) e a inovação dos números, incluindo o zero, foi considerada uma das invenções mais grandiosas de todas as épocas.
Finalizando, afirmamos que, se as criações matemáticas independem de hábitos, gostos, língua, tradições nacionais, pois tanto para o russo quando para o mexicano 0 + 2 são 2, e o persa ou o canadense resolvem da mesma maneira a mesma equação, os algarismos arábicos podem ser considerados integrantes de um idioma universalmente falado e compreendido, capas de aproximar os homens e fazê-los melhor entender as esperanças, os desejos, os sonhos e as realidades de seus povos.
… e sua história justifica a máxima que afirma: A matemática, como a luz, nasce no oriente.
(Em memória do irmão da autora, professor de matemática da UFPR, Jaime Machado Cardoso Filho, fundador da Sociedade Paranaense de Matemática)
Rosy de Sá Cardoso, que completa 95 anos em 2021, foi a primeira mulher a obter o registro de jornalista no Paraná. Trabalhou nos jornais O Dia, O Estado do Paraná e Diário do Paraná, e por quase 40 anos na Gazeta do Povo.