Nos dois eventos, o tema suicídio esteve em destaque, com argumentos favoráveis e desfavoráveis ao seriado e horror ao provável aumento de casos de suicídio entre adolescentes em todo o mundo.
Causou-me especial interesse por compreender essas reações controversas, já que o suicídio não é assunto inédito na experiência humana. Ao contrário, é um tema próprio à espécie, tendo ocorrências em todos os períodos da história da humanidade. É fato também que não há consenso no campo científico sobre seriados, filmes, livros e mídias sociais influenciarem diretamente no suicídio.
De todo modo, podemos buscar a anuência do leitor em torno de uma resposta possível para tamanha discussão social nos tempos atuais, afirmando que boa parte da população mundial sente algum tipo de mal-estar com relação à própria vida, a ponto de se identificar com a personagem Hannah do seriado ou de “obedientemente” seguir os passos indicados por um desconhecido no jogo “Baleia Azul” (sendo que tirar a própria vida é o último e fatídico desafio).
Alguns estudiosos sugerem que tal ato seja fruto de transtornos mentais. No entanto, teremos de reconhecer que, independente de qualquer transtorno, a ideia sobre a morte acompanha lado a lado a história de vida das pessoas. Desde quando reconhecemos nossa finitude, percebendo o tempo que passou, até pensamentos indiretos quando alguém acometido de grande tristeza que passou por alguma decepção pensou: “se eu estivesse morto, não estaria sentindo essa dor”.
Em “13 Reasons Why”, a personagem principal vive dilemas fundamentais da existência e evidencia a vida como imprevisível e sem controle absoluto dos fatos. Da mesma forma que ela, seus amigos também sofrem com as mesmas indagações, mas não optam pelo suicídio. E essa é a regra geral: diante das adversidades, a maioria das pessoas resiste e persiste na trajetória da vida. Sabemos que muitos jovens disseram não ao jogo “Baleia Azul” e outros apenas sensibilizaram-se com a história de sofrimento da personagem principal do seriado, Hannah.
Aqui temos a prova de que não é possível simplificar o debate e a discussão buscando os culpados pelo aumento do número de suicídios, seja responsabilizando os pais, a escola, os amigos ou mesmo a divulgação destes fatos na mídia. É necessário resgatar um elemento fundamental: somos seres singulares. Alguns estão vulneráveis, por isso, suscetíveis às identificações com diferentes personagens e pessoas do convívio.
Para aqueles que estão vulneráveis, o silêncio solitário demonstra ser de pouca ajuda. Um dos poucos recursos favoráveis, além de uma avaliação psiquiátrica e psicológica, é a palavra como forma de expressar e compartilhar angústias. Entretanto, necessitamos encontrar interlocutores que possam acolher e compreender as dores humanas, apontando caminhos possíveis.
Nessa perspectiva, os novos tempos estão contraditórios. Por um lado, nunca se falou (e se viveu) tanto as redes sociais. E, com isso, na internet, as pessoas têm opiniões sobre tudo e todos, mesmo que desconheçam os assuntos e as pessoas envolvidas. Percebo que a fala é uma boa alternativa para refletir, repensar, rever as certezas e abrandar as dúvidas e angústias. Mas essa fala precisa ter eficácia simbólica – e isso só ocorre em um encontro binário: de um lado, um ouvinte perspicaz sobre as inquietações humanas, e de outro, alguém disposto a expor com sinceridade sua intimidade. Desse encontro, o produto poderá ser a transformação.
*Débora Patrícia Nemer Pinheiro é psicanalista e professora do curso de Psicologia da Universidade Positivo (UP).