Julho de 2016! Acabo de inserir a lista de internos de um Hospital Prisional Brasileiro, para a unidade, sou apenas mais um número. Para a sociedade ali estou por merecimento. Para minha família sou fruto de uma injustiça. Para mim farei parte de uma aventura e uma aprendizagem, embora eu anseie que minha estadia seja brevíssima.
Localizado em Quatro Barras, Paraná, a unidade embora seja prisional, é também um Hospital Psiquiátrico. O cenário é tétrico, uma antiga construção de paredes brancas e descoloridas, destituído de vida a tal ponto de olhares curiosos não conseguirem identificar que local é aquele. Até a paisagem da natureza que circunda os arredores dessa construção se tornam tristes. Árvores mortas e folhas secas caem e espalham-se ao solo.
Nem os passarinhos cantam ou pousam por ali. Porém por dentro o ambiente estava longe de ser encantador, é assombroso e bem perturbador, esse era o cenário do famoso Complexo Médico Penal. Os “presos” em sua maioria eram doentes mentais, muitos desamparados por suas famílias, a sociedade insistia em separar os “normais” dos anormais. O problema consistia em saber quem era menos doente, se os de fora ou os de dentro do presídio.
Todavia conheci pessoas “livres” aqui fora que estão muito mais aprisionadas em suas casas e mentes, que os internos lá de dentro, muros, grades, armas e construções prendem corpos, mas jamais a mente humana. Os enfermeiros eram irritados e ansiosos, os agentes penitenciários fantasiavam em suas mentes os tornando-os em semi deuses, os psiquiatras raramente sorriam, tinham um mau humor latente.
A tristeza era contagiante, faltava alegria e solidariedade no famoso hospital prisional, que se tornou um local célebre pelos ilustres presos da operação lava jato, em sua maioria políticos, abastados, intelectuais, do contrário o local jamais seria lembrado, exceto pelas pessoas que ali estiveram presas. Via pessoas por toda parte com o eu desagregado, partido, sem identidade, sem parâmetros da realidade. Os presos estavam embotados, sem expressão facial, com musculatura contraída, parecia um depósito de doentes mentais.
Alguns internos achavam, em seus delírios, que eram grandes personagens da história. Loucos? Não sei, pois ali também estavam grandes personagens da história política e brasileira. Muitos diziam que seriam presidentes, outros sentiam-se controlados, perseguidos e diziam que suas mentes eram invadidas por vozes. Ainda outros construíam imagens de animais ou de objetos ameaçadores, havia também pessoas vítimas do alcoolismo, dependência de outras drogas e depressão. A doença psíquica não escolhia cor, raça, nacionalidade ou status social. Os internos vinham de todas as camadas sociais, de simples funcionários executivos, advogados, engenheiros e até políticos faziam parte da população adoecida mentalmente.
Do lado de dentro cada paciente cada pessoa construía seus delírios e alucinações com características e frequências próprias. Cada cabeça um mundo. Um mundo que me encantava. Do lado de fora a sociedade continuava vivendo de disfarces, em um grande teatro, nominado de fábrica de preconceitos.
Os doentes estavam tão combalidos que eles mesmos sentenciavam-se como doentes, proclamando espontâneamente seus diagnósticos “Eu sou Esquizofrênico”, “Eu sou psicótico”, e outros se sentiam importantíssimos por dividirem o mesmo pátio no banho de sol e andar pelos mesmos corredores ao lado de políticos famosos. Alguns não havia brilho nos olhos, não havia esperança. Se havia um lugar onde os sonhos morreram era lá dentro. O local era cáustico, naqueles ares a psiquiatria não vendia sonhos, mas sim pesadelos.
Alguns agentes encaravam os internos como esgotos da sociedade, não percebiam que eles mereciam um solene respeito. Todavia a sociedade dos “normais” ama procurar explicações superficiais, ama achar culpados para os problemas que não entendem. Descobri que portadores de leves transtornos emocionais facilmente perdiam a auto – estima. Eles se autotachavam de depressivos, fóbicos, estressados. “Quais são as raízes desse preconceito, se não há ninguém psiquicamente saudável na sociedade”?.
Eu não os excluía, tratava-os com respeito e dignidade e os elogiava, afinal quem me garante que eu também não era ou sou um doente mental? Que sonhava que a sociedade moderna que se empobreceu, perdeu a amabilidade, acreditava que ela se curaria dessa doença mental chamada preconceito.
As pessoas tinham cultura como nenhuma outra geração, mas perderam o poder da gentileza e do elogio. Um interno psicótico se atormentara durante anos com imagens de extraterrestres, começou com a evolução de sua doença a conversar com ETs e falar obsessivamente sobre eles com as pessoas.
Indagava-os se sabiam que existiam seres de outros planetas, mal sabe ele que dentro de cada um de nós há muitos monstros que nos perturbam diariamente, no planeta da nossa mente. Se ele enxergasse a incoerência das suas idéias e compreendesse a real fonte de suas perturbações melhoraria muito com aliado aos efeitos dos remédios.
Mas quem é que daria atenção naquele lugar? Aqui fora vemos de vez em quando um “anormal” abraçando e beijando uma árvore, eu vejo que é uma forma de agradecimento à natureza pela dádiva da vida, a maioria não enxerga isso. Se as pessoas pudessem abraçar mais, e ser mais afetivos com esses seres humanos, talvez eles não precisassem abraçar árvores. Infelizmente os campos de concentração da Alemanha nazista nunca acabaram, apenas assumiram outras roupagens.
* Leandro Veloso é estudante de direito.