Traumas que deixam cicatrizes

Nossas vidas são marcadas pelas experiências. No entanto, algumas delas deixam cicatrizes que são difíceis de fechar. Superar os momentos críticos não é fácil para ninguém, mas algumas pessoas apresentam uma dificuldade ainda maior e precisam de ajuda especializada. É isto o que acontece com vítimas de seqüestro. Parte delas não consegue superar um estresse agudo e acaba desenvolvendo o transtorno de estresse pós-traumático. A pessoa não consegue ?virar a página? e, de certa forma, revive o drama. Chegar neste ponto depende de vários fatores, internos e externos.

?Nós podemos comparar com uma mola. Ela é pressionada intensamente, mas quando a pressão passa, ela vai voltando ao estado normal, apesar de nunca mais ser a mesma. Mas o nível de tensão pode chegar a um ponto que a mola perde a sua elasticidade?, explica o médico psiquiatra Élio Luiz Mauer, chefe do departamento de Medicina Forense e Psiquiatria da Universidade Federal do Paraná.

De acordo com ele, o transtorno de estresse pós-traumático pode ser diagnosticado algum tempo após o evento em si. Esquecer o ocorrido é difícil; certas imagens do fato voltam à mente a todo tempo; dificuldade em se concentrar em outros assuntos; ansiedade e tensão constante; insônia; dificuldade em se relacionar. Estes são alguns dos sintomas que as vítimas de seqüestros podem desenvolver. ?A reação do indivíduo depende de uma série de fatores. Outros vão passar por isto com mais facilidade; outros vão precisar de ajuda?, afirma Mauer.

As situações que podem desencadear um estresse agudo e, posteriormente, um transtorno de estresse pós-traumático são aquelas em que houve ameaça à vida, como no caso do seqüestro. Segundo o médico psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, autor do livro Transtorno de Estresse Pós-traumático em Vítimas de Seqüestro, a superação deste fato vai depender da estrutura da personalidade, do momento de vida, se já aconteceu uma situação parecida, capacidade da pessoa em lidar com crises e o grau de severidade aplicada contra o seqüestrado. ?As pessoas que ficaram em cativeiro e que foram torturadas durante o seqüestro são as que apresentam os quadros mais graves?, indica. ?Nem todo mundo que passa por um seqüestro necessariamente vai desenvolver o transtorno?, ressalva.

Élio: ?A reação depende de uma série de fatores?.

Nos casos de seqüestro com cativeiro, familiares e pessoas próximas à vitima também podem desenvolver o transtorno. Eles são consideradas vítimas secundárias. ?A família vive o drama da negociação do resgate e das ameaças de morte. Junto disto, vem a orientação da polícia em não ceder. Isto se torna desesperador?, comenta Ferreira-Santos.

O transtorno de estresse pós-traumático pode aparecer até cinco anos depois do seqüestro. O tratamento vai depender da reação da pessoa, conforme Élio Mauer. Pode englobar tanto a terapia como medicamentos. ?A vítima pode desenvolver, paralelamente, um quadro de depressão, o que também vai exigir tratamento?, lembra.

Relâmpago, mas deixa grandes marcas

O transtorno de estresse pós-traumático pode aparecer também em vítimas de seqüestro relâmpago, crime que acontece com freqüência nos grandes centros urbanos. Apesar de o seqüestrado ficar poucas horas em poder dos criminosos, a violência é muito grande neste período. ?As ameaças são mais fortes e concentradas. As ameaças de morte intensas e a tortura psicológica, além da tortura física, podem causar a ruptura do mecanismo de defesa?, comenta o médico psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos.

Ele explica que existem casos em que o seqüestro relâmpago se torna um seqüestro com as características clássicas. Isto ocorre porque os bandidos percebem, nos momentos de saques nos caixas eletrônicos, que a vítima possui aplicações e investimentos. ?Os bandidos acabam ?vendendo? a vítima para outra quadrilha. Deixa de ser relâmpago para virar seqüestro em cativeiro?, cita Ferreira-Santos.

Independentemente da forma do seqüestro, as conseqüências que os crimes podem causar nas vítimas não são levadas a sério, de acordo com o psiquiatra. Quando o seqüestrado é liberado, quem está de fora acha que o problema terminou ali, o que não é verdade. ?Assim como as vítimas fatais da violência, as vítimas que permanecem aqui também são uma questão de saúde pública. Mas, como entra no lado psíquico, a situação é esquecida e minimizada. As vítimas são apenas números e não podem ser tratadas desta maneira?, opina Ferreira-Santos. São poucas as estruturas públicas que no País que fazem um atendimento especializado para esta parcela da população. (JC)

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo