Nos países mais desenvolvidos, aproximadamente a metade dos pacientes que fazem diálise crônica o fazem devido à perda da função dos rins pelo diabete. Em nosso meio, temos em média 30% dos pacientes em diálise como diabéticos. Considerando os 55 mil pacientes que fazem diálise no Brasil, temos uma idéia da magnitude do problema.
Os diabéticos tipo I, insulino-dependentes, são os mais afetados a longo prazo pelas temíveis complicações vasculares do diabete: retinopatia que pode levar à cegueira, insuficiência dos rins necessitando de diálise e/ou transplante, e a insuficiência vascular periférica que pode acarretar amputações dos membros inferiores. Nos últimos, a busca por alternativas curativas da doença, assim como preventivas, têm sido objeto de investigações intensas. Infelizmente, medidas preventivas do desenvolvimento do diabete não têm sido muito bem sucedidas devido ao fato de que, ao se manifestar o diabete, as células produtoras de insulina (ilhotas) já foram destruídas por um processo imunológico não muito bem compreendido.
Restam atualmente duas alternativas: o transplante total do pâncreas (órgão que armazena as ilhotas) e o transplante apenas das células produtoras de insulina (ilhotas).
O sucesso com o transplante total do pâncreas é inquestionável, com resultados nos melhores centros do mundo em torno de 90% de sucesso. As restrições a esse procedimento ainda esbarram no fato de ser um procedimento cirúrgico de grande porte, ao uso de imunossupressão (drogas anti-rejeição) e as complicações inerentes ao procedimento.
Transplante de células (ilhotas)
Esta é uma alternativa atraente, porque não envolve uma cirurgia de grande porte, a imunossupressão (drogas anti-rejeição) é menos intensa e o procedimento resume-me apenas a uma infusão de células na veia aorta do fígado, podendo inclusive ser feito em caráter ambulatorial, sob anestesia local.
Os candidatos a esse procedimento são basicamente os portadores de diabete tipo I, insulino-dependentes e que não vão bem, tendo dificuldade de controlá-lo, tendo muitas crises de hipoglicemia, muitas vezes correndo risco de vida. Também aqueles paciente que receberem um rim num transplante poderiam se beneficiar das ilhotas do mesmo doador.
Realidade brasileira
No dia 1.º de dezembro de 2002, o Laboratório de Química da Universidade de São Paulo isolou as ilhotas de um pâncreas humano, e as células foram implantadas numa paciente no Hospital Albert Einstein. Esse procedimento é um marco na medicina brasileira, porque abre uma nova era para os pacientes diabéticos, uma melhor perspectiva de vida.
Dia 26 de setembro de 2002, a Pontifícia Universidade Católica do Paraná inaugurou o Laboratório de Engenharia e Transplante Celular, que é o segundo Laboratório de Isolamento de Ilhotas Humanas no Brasil, e pretende, neste ano de 2003, iniciar a implantação dessas células em pacientes diabéticos. Esse projeto tornou-se viável graças a uma parceria do governo do Paraná, por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná, do Programa Paraná Tecnologia, da PUCPR e da Fundação Pró-Renal. Técnicos e médicos foram treinados no exterior e equipamentos foram importados, de forma que tudo está pronto para que esse laboratório inicie os transplantes em breve.
Mais informações podem ser obtidas no site da Fundação Pró-Renal: www.pro-renal.org.br.
Miguel Carlos Riella
é médico nefrologista, coordenador do projeto, professor e pesquisador do Instituto do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.