Trabalho: o grande vilão?

Em meio a tantos estudos e reportagens sobre estresse, ambiente de trabalho e qualidade de vida, as frases mais usadas são:

“…afinal, passamos a maior parte do nosso dia e, conseqüentemente, da nossa vida no trabalho.”

“Está na hora das empresas considerarem as doenças ocupacionais como parte de suas despesas, já que geram milhões de dólares em tratamento”.

Neste raciocínio, as empresas e os teóricos da área estão se preocupando cada vez mais em melhorar as condições de trabalho, o ambiente de trabalho, as jornadas extras e a pressão no trabalho. Sem dúvida, já é mais do que na hora de atentar para problemas tão graves como estresse, burnout, estafa, depressão, alcoolismo, entre outras doenças relacionadas ao trabalho. Mas será que o trabalho é o único vilão da história? Ou, pelo menos, será que é a única causa destes males?

Se entendermos o trabalho como principal identidade humana e essencial para a evolução e transcendência do Homem, será mais útil procurarmos a melhor relação e adaptação do Homem com o trabalho. Sobre o trabalho, muitos fatores maléficos são levantados todos os dias. É hora de vermos os fatores que são responsabilidade do ser humano trabalhador:

Vocação: em primeiro lugar, é muito mais fácil não sofrer estresse no trabalho quando se faz o que gosta. As pessoas que trabalham naquilo que é apenas a sua sobrevivência se deparam com fatores mais negativos do que positivos no seu dia-a-dia. Já as que trabalham naquilo que escolheram como carreira ou razão de vida encaram os problemas como desafios para alcançar a realização pessoal e profissional.

Planejamento: “meu trabalho é mais “apagar incêndios” do que fazer o que realmente deveria ser feito”. Esta frase é uma das mais ouvidas na maioria das empresas. A falta de planejamento (ou “fazejamento”) no trabalho, de maneira irônica, gera desperdício de tempo, já que o profissional, ao invés de gastar algumas horas para estabelecer seus objetivos, a maneira como alcançá-los e o tempo que pretende despender na empreitada, simplesmente vê o tempo passar enquanto é desviado para atividades menores ou não atua na causa dos problemas, mas na conseqüência. Além disso, fica com a sensação de dever não-cumprido e, com isso, frustra-se por não ver seus objetivos atingidos. Tudo isso gera desmotivação, estresse, depressão e perda do sentido do trabalho e da vida.

Organização: definir prioridades e o tempo para atendê-las não é muito difícil. Mas as pessoas, na pressa de partir para o “fazejamento”, acabam se atropelando em suas atividades. Coisas básicas, como listar as prioridades do dia, e da semana na agenda, organização da mesa de trabalho, organização dos arquivos no computador requerem um mínimo de disciplina, sem precisar ser metódico. São conhecidos os casos em que duas pessoas na mesma função, uma eficiente e organizada e outra não tanto, têm uma jornada de trabalho bem diferente uma da outra, pois a primeira consegue terminar suas atividades muito mais rápido do que a outra. E esta, conversando com seus amigos, conta que seu trabalho é muito estressante, quando depende dela minimizar o estresse se organizando melhor.

Comunicação: a grande maioria dos profissionais se queixa que há falhas na comunicação na sua empresa. Mas, mesmo quando isso é detectado num trabalho em grupo (treinamento ou desenvolvimento, diagnóstico organizacional, pesquisa de clima) pouco é feito na empresa para corrigir estas falhas. Como a empresa é formada por pessoas, cada profissional pode e deve agir para a melhoria da comunicação. Com tantos meios de comunicação (e-mail, reuniões, edital, comunicado interno, jornal interno, telefone, fax e até aquela conversa informal no almoço ou na sala de cafezinho) deve-se seguir o bom senso para utilizar um ou dois meios mais adequados ao tipo de informação, a fim de se garantir que o receptor receba a mensagem. O receptor também não deve ser passivo: quando fica um tempo sem receber telefonemas, e-mail ou convocação para reuniões, há algo de errado.

Administração do Tempo: o uso do telefone, e-mail, internet, reuniões são geralmente mal administrados. Muitas pessoas não conseguem ser objetivas enquanto usam estes meios e o dia passa mais rápido do que queriam. Também é comum ver pessoas perdendo metade do dia formatando um relatório ou uma apresentação, deixando, com isso, de fazer uma revisão crítica do conteúdo ou se preparar para uma reunião ou treinamento importante porque a margem da página 45 estava azul-marinho e não azul-turquesa. Já que passamos a maior parte do tempo no trabalho, devemos nos preocupar em utilizar este tempo da maneira mais produtiva e, se possível, sem precisar fazer horas-extras desnecessárias.

Condução de reuniões: muitos gerentes e diretores passam o dia inteiro em reuniões. Alguns deles se referem a elas como um simples falatório. Se uma reunião não tem pauta informada previamente, data marcada com antecedência, hora para início e término, atribuição de responsabilidades para cada ação e prazo para cada uma são basicamente um desperdício de tempo. E a sensação de tempo perdido e dificuldade para se atingir os objetivos do trabalho vão estressando o profissional.

Feedback como ferramenta de gestão: em entrevistas com profissionais de vários níveis hierárquicos, o que mais os motiva no trabalho é o reconhecimento. Mas também dizem que esperam saber de seu superior o que podem estar fazendo errado e como podem melhorar isto. E é isto o que a maioria dos gestores não faz: dar feedback. Moscovici revela o resultado de uma pesquisa com gerentes e gestores, onde a habilidade de se dar feedback é tida como a mais difícil de se realizar. Com isso, sua equipe pode passar anos fazendo atividades da maneira errada ou deixando de atentar para alguma atitude considerada inadequada. Assim, nestes casos de desempenho insuficiente, o gestor sente a necessidade de realizar ele mesmo alguma função que seu colaborador poderia fazer se fosse orientado melhor. E assim ele fica sobrecarregado por não delegar.

Delegação: a falta de delegação faz com que o profissional fique sobrecarregado e nunca possa se ausentar do trabalho. Além da ausência de feedback, citada no item anterior, a dificuldade em delegar remete à falta de confiança no outro, à perda do status quo e até ao narcisismo (só eu sei fazer esta atividade do jeito certo). Para delegar, é preciso observar o desempenho do colaborador em atividades menores e, gradualmente, poder atribuir responsabilidades. No início, ele não vai fazer do mesmo jeito e até vai errar. Mas é melhor errar quando o gestor está por perto do que quando está de férias. O medo de delegar é óbvio: ser substituído. No entanto, só consegue crescer profissionalmente quem desenvolve uma pessoa para ficar no seu lugar.

Postura e atividades físicas: já é mais do que sabido que a atividade física aumenta a disposição para a vida e para o trabalho. Isto é óbvio. Talvez não tão óbvia seja a percepção de que a postura errada frente ao computador, além dos problemas de coluna e osteo-musculares, gera mais cansaço e estresse. O indivíduo chega no fim do dia em casa dizendo à família que teve um dia estafante. Talvez o seu colega que faz exercícios e respeita as leis da ergonomia esteja pronto para passear, pois não se sente nada cansado.

Crenças: aquilo em que a pessoa acredita vai determinar toda a sua forma de agir e trabalhar. O nível de exigência e a auto-crítica são os maiores aliados dos workaholics e estressados, dizendo ao indivíduo que ele não pode errar, que as pessoas vão criticar o trabalho inteiro se um detalhe estiver errado, que não vai ser digno de respeito por causa disso, não pode haver nenhum imprevisto, tudo depende de mim, etc. Mudar esta atitude é muito mais eficaz do que mudar o ambiente de trabalho, quando falamos de saúde do profissional.

Todos estes fatores podem ser parte de uma política de gestão de pessoas nas empresas, mas na ausência dela, pode e deve ser iniciativa do indivíduo preocupado em ter uma vida sem sofrimento no trabalho.

Carlos Eduardo Baptista

é psicólogo.

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