Para não abandonar precocemente a carreira, a professora de artes Joice Salete Pires, que leciona há mais de 11 anos na Escola Municipal Marumbi, no Uberaba, passou a usar microfone sem fio em sala de aula. Joice, que já fez cirurgia para retirada de calos vocais, participa do programa Saúde Vocal da Prefeitura de Curitiba que oferece, além de microfone, orientação, acompanhamento profissional, tratamento e, quando necessário, encaminhamento para cirurgia.
Desenvolvido há sete anos, em parceria, pelas secretarias municipais da Educação e de Recursos Humanos, o Saúde Vocal contabiliza mais de 15 mil atendimentos a professores e reduziu de 70% para 1% o índice de afastamento de professores por problemas na voz.
A cada quinzena, fonoaudiólogos oferecem palestras e treinamentos dos quais participam, em média, por 300 servidores municipais – a maioria, professores. O médico do trabalho, Paulo Sérgio Coelho, gerente de medicina ocupacional da Secretaria Municipal de Recursos Humanos, conta que, depois de receber orientações, passar pelos exames de rotina do programa e ter um diagnóstico apurado da sua condição vocal, o profissional passa a utilizar melhor seu principal instrumento de trabalho, que é a voz.
“Se for constatado algum problema, será investigado e encaminhado para tratamento específico. Dependendo do quadro clínico, o profissional é encaminhado para cirurgia”, acrescenta. O uso do microfone sem fio em sala de aula é uma medida emergencial, afirma o médico. “Somente professores que realmente têm um quadro comprometido ou que tenham passado por cirurgia é que têm essa indicação”.
O atendimento do Saúde Vocal vai ganhar um reforço dentro de pouco tempo com a instalação, no Edifício Delta, onde funciona a Secretaria Municipal de Recursos Humanos, de um consultório de fonoaudiologia com todos os recursos, equipamentos e profissionais necessários para atender a demanda, otimizando o atendimento que, até aqui era feito através de clínicas terceirizadas.
Sintomas
Os principais sintomas de problema de voz em professores são cansaço e esforço ao falar, falhas na voz ao final do dia ou da semana, rouquidão, pigarro, voz mais grave e perda nos tons agudos (ex: dificuldade em cantar), ardência ou secura na garganta, dor ao falar, sensação de garganta raspando, falta de volume e projeção e pouca resistência ao falar, entre outros.
Continuar a forçar a voz pode provocar afonia (perda da voz) e obrigar o profissional a encerrar a carreira, por isso é importante ficar atento aos sintomas e procurar tratamento, o que inclui sessões de fonoterapia e exames como laringoscopia e audiometria. A cada dois anos, o profissional repete todos os exames e, se constatado algum problema, volta para o programa.
Paulo Sérgio Coelho explica todas as escolas municipais receberam, a partir de dezembro do ano passado, um kit com microfone e caixa amplificada, para atender o professor que tenha problema grave de voz.
É o caso da professora Joice, que sistematicamente se ausentava da sala de aula por causa da rouquidão ou até falta de voz. Ela fez o tratamento do Saúde Vocal e aprendeu a usar a voz de forma correta. “É minha principal ferramenta de trabalho. Antes minha voz oscilava muito e às vezes eu precisava gritar para ser ouvida. Hoje estou mais feliz, com o microfone já não preciso forçar a voz”, afirma.
“A voz funciona como um dos principais vínculos do relacionamento, sendo responsável pelos primeiros contatos professor/aluno que é reforçado ou enfraquecido pela qualidade vocal do professor”, explica Ivanete Santos de Melo, diretora da Escola Municipal Marumbi, uma das pioneiras do programa e primeira a usar microfones sem fio. Em sua monografia de pós-graduação em Gestão Pública da Educação na Faculdade Espírita, ela desenvolveu o tema “A importância do uso do microfone pelo professor em sala de aula”.
O microfone em sala de aula é aprovado pelos alunos. “Agora a gente consegue escutar melhor e ela não fica estressada com a nossa bagunça”, afirma Gabriela Venâncio, sete anos, aluna da professora Joice, da 2.ª série. O garoto Gabriel dos Santos, da mesma turma, concorda com a colega. Ele conta que no começo achou estranho, mas agora já se acostumou. “Dá para ouvir direitinho tudo o que ela fala. E se a gente não escutar direito também não vai conseguir aprender direito”, diz ele.
Na opinião da pedagoga Ivanete Melo, muitos profissionais têm como preocupação principal, a tarefa de buscar conteúdo técnico didático para transmitir a seus alunos, deixando em segundo plano o fundamental que é ter uma boa saúde vocal. A busca de uma ajuda especializada vem em último caso, quando a principal ferramenta de trabalho já está comprometida. “A debilidade vocal não traz constrangimento apenas ao professor. Um dos prejudicados nessa história é também o aluno. Em muitos casos a má qualidade da voz do professor interfere no aprendizado dos estudantes”, analisa.