Sinal vermelho para o álcool

As opiniões ainda são contraditórias. Para a estudante Michele, de 22 anos, a nova lei seca trará prejuízos para muitos comerciantes, mas pode ser uma solução para a imprudência dos motoristas que dirigem alcoolizados. Já a relações-públicas Regina, de 40 anos, a nova lei é um absurdo. Ela diz que dirige há 20 anos e gosta de curtir um e happy hour com os amigos. ?Sempre tomei cerveja e nunca cometi nenhuma infração, o governo precisa é fiscalizar e não fazer chegar a este ponto de não se poder beber nada?, reclama.

Pedro Paulo, de 37 anos, é mais radical: ?Tá na cara que o que o governo quer arranjar novas fontes para substituir a CPMF?, denuncia, salientando que aprendeu a dirigir com 12 anos, tirou carteira com 18 anos e nunca se envolveu em nenhum acidente. ?Gosto de sair à noite com meus amigos e ?bebemorar?, mas agora vai ficar difícil a sacanagem?, reclama. No entender de Carlos Júnior, a lei demorou a chegar. Para ele, deveria estar vigorando há pelo menos 50 anos. ?Qualquer pessoa esclarecida sabe que bebida e direção não combinam, por isso sou a favor da multa, da punição e da prisão, pelo menos esses irresponsáveis não vão comprometer a segurança e a vida de outras pessoas?, considera.

Preocupação com exageros

Tudo isso porque o governo sancionou a lei de ?tolerância zero? contra o álcool, que entrou em vigor no final do dia 21 de junho. A partir daquela data, o motorista que for surpreendido com qualquer nível de álcool pelo bafômetro será multado em R$ 957,00 e perderá o direito de dirigir por um ano. O Contran ainda precisa definir uma pequena margem de tolerância para não cometer injustiças com condutores que apresentem uma pequena presença de álcool no sangue sem ter feito uso de bebida alcoólica.

Para o presidente da Associação Médica Brasileira, José Luiz Gomes do Amaral, a legislação veio para ficar e a sociedade, como um todo deve lutar por sua consolidação. ?No começo, pode haver certos exageros, pois é preciso respeitar um nível de tolerância, ocasionado por imprecisão dos equipamentos, mas a decisão do governo é extremamente positiva?, avalia. O dirigente acredita, ainda, que a legislação poderia ser mais abrangente, proibindo definitivamente a publicidade sobre o álcool, que, no seu entender, tiraria o ?glamour? do consumo de bebidas e, conseqüentemente, faria diminuir os índices de alcoolismo entre a população. ?Principalmente entre os mais jovens, já que a eles começam a beber cada vez mais cedo?, reconhece.

Tempo de ?descanso?

O médico Ricardo Teixeira, PhD em neurologia, esclarece que, até que a tal margem seja regulamentada, tem sido divulgado que o índice tolerado será de 0,2 grama por litro de sangue. O antigo limite de 0,6 grama por litro agora serve para definir quem vai responder processo ou não e, desde a data em que a lei entrou em vigor, as notícias dão conta da prisão de diversas pessoas. O especialista explica que a concentração de álcool no sangue, ou alcoolemia, é expressa em gramas de álcool por litro de sangue. Quando alguém tem uma alcoolemia de 0,5g/l, equivale dizer que existe 0,5g de etanol ou álcool puro para cada litro de sangue. O vinho, por exemplo, tem em cada litro, 120 ml de álcool, na cerveja temos cerca de 60 ml de álcool por litro e, na cachaça, mais ou menos 400 ml de álcool por litro.

Assim, continua o médico, podemos converter qualquer volume de álcool em gramas seguindo a seguinte regra: cada mililitro de álcool tem 0.8g de álcool puro. Uma taça de vinho de 250ml, por exemplo, contém 30ml de álcool ou 24g de álcool. ?Para calcular os níveis de álcool no sangue devemos levar em consideração o peso e o sexo da pessoa e se a bebida foi consumida junto à refeição?, enfatiza.

Para saber quanto tempo o organismo precisa para eliminar esse álcool do sangue é bom saber que eliminamos aproximadamente 0,10 g/l de álcool por hora. ?No caso da taça de vinho do exemplo acima, o organismo precisa de duas a três horas para eliminar totalmente esse álcool?, alerta.

Assim, domingão, almoço em família, uma boa taça de vinho e uma merecida soneca para acordar bem disposto. ?Mesmo assim, só devemos voltar ao volante três horas depois do vinho para não termos problemas com o bafômetro?, orienta Ricardo Teixeira, completando que, se bebermos duas dessas taças, o bafômetro só nos perdoaria após cinco horas de ?descanso?.

Número de internações deve cair

Anselmo Dornas, presidente do Comitê Emergência e Trauma da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), acredita que os casos de traumas provocados por acidente de trânsito, dos quais 70% estão relacionados ao consumo de bebida alcoólica, devem cair consideravelmente se a lei da “tolerância zero”, que prevê penalidades mais severas, for cumprida. Os levantamentos apontam que o acidente de trânsito, mesmo com a adoção do novo Código Brasileiro de Trânsito, em vigor desde 1998, se mantém como o principal vilão para a juventude.

Para o intensivista é necessário também que a fiscalização e a punição sejam constantes e que os motoristas tenham consciência de que, a partir de agora, dirigir sob a influência de álcool é crime punível com detenção. Quando o atual código entrou em vigor, em 1998, uma redução inicial foi percebida. “Quando as pessoas perceberam que não havia fiscalização efetiva e que ninguém ia preso por isso, o número de internações voltou a crescer”, esclarece.

O gastroenterologista e cirurgião do aparelho digestivo Jurandir Marcondes Ribas Filho, do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, avalia que o prejuízo para a sociedade é imenso, já que a maioria das vítimas perde em média cerca 30 anos produtivos, levando-se em conta que a vida produtiva de uma pessoa se estende até os 65 anos. Outra constatação do especialista é de que o trauma implica, entre custos diretos e indiretos, em uma soma importante aos cofres públicos. “Um dinheiro que poderia estar sendo aplicado em outras áreas da saúde”, completa.

O cirurgião considera que o trauma é uma doença 100% evitável. Para Jurandir Ribas Filho, a nova lei trará, também, uma outra conseqüência importante: como as pessoas devem reduzir a ingestão de bebidas alcoólicas, provavelmente, haverá menos violência interpessoal em lugares públicos, como bares e casas noturnas.

Acidentes custam caro

No Brasil, morrem de 30 a 50 mil pessoas em acidentes de trânsito por ano. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), dados de 2003, o custo médio de um acidente automobilístico no Brasil é de R$ 8.782,00, chegando a mais de R$ 144 mil quando existir alguma vítima fatal. Assim, pode-se deduzir que se levar em conta as menores estatísticas de mortes no trânsito (30 mil) por ano, o valor aproximado seria de mais de R$ 4,3 bilhões. Este valor não contabiliza as despesas com aposentadorias por invalidez, afastamentos de trabalho, medicação ou tratamentos e das atividades familiares e sociais.

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