Os adolescentes e jovens ainda têm uma relação complicada com o uso do preservativo, seja na iniciação ou durante o desenvolvimento da vida sexual. Informação há, mas, segundo especialistas, ou não se aplica corretamente às expectativas do jovem de hoje, associando o uso do mesmo a um aspecto ruim do sexo, ou não é capaz de atingi-lo diante do apelo ao prazer sem medir a dose das conseqüências. Apesar de ter aumentado o número de jovens que utilizam o preservativo, existe uma parcela significativa que associa esse uso a fatores emocionais quase sempre desvinculados da idéia da segurança. E é nesse ponto que o diálogo deve prevalecer.
As constatações se baseiam em um estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas com mais de 4 mil jovens, entre 18 e 24 anos, de ambos os sexos, em Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador. A pesquisa, que tinha por objetivo levantar quais os fatores associados ao uso do preservativo entre os jovens, apontou descobertas interessantes. Entre elas, que a escolaridade da mãe é mais determinante que a do próprio jovem que usa o preservativo e que aqueles que o utilizaram na primeira relação sexual em geral mantiveram o uso até a última, diferentemente dos que não prezaram pela presença da camisinha na primeira vez.
No entanto, a conclusão que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi que quando eles param de ?ficar? e começam a namorar, deixam de lado o preservativo. Especialistas atestam que tal atitude, vinculada ao lado emocional, é a realidade da maioria dos jovens. É o que diz a coordenadora municipal do programa Adolescente Saudável da Secretaria de Saúde de Curitiba, Julia Cordelini. ?O afeto, o amor e a transa não são questões objetivas, mas que envolvem sentimentos e emoções, questões da subjetividade de cada um. Nesse momento, o que impera é que os dois foram feitos um para o outro. Passam a acreditar que, numa relação de amor, usar o preservativo é sinal de desconfiança ou, então, forma de dar liberdade à traição.?
No entanto, Julia vê um problema nessa atitude. Para ela, atingir o jovem e falar da importância do uso do preservativo deve estar vinculado a ressaltar a importância da sexualidade – e não apenas o ato sexual em si. ?Uma das coisas que precisamos melhorar é a maneira que se passa a informação sobre o uso do preservativo. Saúde sexual reprodutiva passa por ter uma sexualidade voltada ao amor, ao prazer, mas também de autopreservação; faz-se disso um comportamento voltado não apenas ao não adoecer, mas a uma sexualidade boa, saudável e tranqüila.?
Para que essa informação se efetive, é preciso que comece com os mais velhos. Com isso, diz a coordenadora, a atitude em relação ao sexo passa a ser muito mais consciente por parte do jovem ou adolescente. ?Está provado que aqueles que têm família ou adultos cuidadores próximos, que os abordem com informações claras e os levem a pensar e estabelecer um canal aberto de comunicação, em que podem perguntar e trocar confidências, iniciam a atividade sexual mais tarde e com sexo seguro, ou seja, usando o preservativo.? Para tanto, avisa, é preciso que pais e mães aprendam a diferenciar o tema sexo de sexualidade e percam o medo de se atualizar e tocar no assunto com os filhos adolescentes. ?Cabe à família esse papel, já que a cultura estimula ao sexo, mas não educa.?
De adolescente para adolescente
O estudante Igor Francisco, 16 anos, já aprendeu bastante sobre sexo seguro e agora ajuda a ensinar outros jovens. Ele é um dos multiplicadores formados pelo programa municipal Adolescente Saudável e fala abertamente sobre o assunto para outros adolescentes, sem preconceitos. Para Igor, tanto a iniciação sexual no tempo adequado como o uso do preservativo estão diretamente relacionados à auto-estima do jovem, que deve ser trabalhada de forma a não permitir que ele faça o que não quer por influências externas. ?Esta é a chave de tudo, porque dá ao adolescente a possibilidade de fazer suas próprias escolhas e não fazer sexo só porque os amigos também fazem. Os jovens são muito influenciáveis?, constata.
As percepções de Igor estão relacionadas às reações diante de suas palestras na escola onde estuda. ?As meninas tendem a exigir mais a camisinha e os meninos argumentam que parece desconfiança. Eles ainda conservam o machismo, acham que sabem tudo e que com eles nunca vai acontecer nada?, explica. Em contrapartida, por causa do sentimento, muitas delas cedem aos apelos. ?Eles ainda usam aquele argumento de que parece bala com papel. Mas, na minha opinião, camisinha tem que usar, sempre, independente de estar ficando ou namorando, e até no casamento. Você nunca sabe o que pode acontecer e as doenças não estão estampadas na cara das pessoas.?
O comprometimento, nesse caso, é com a segurança dos dois, afirma o adolescente. ?Nós sempre enfatizamos nas palestras que tem de usar o preservativo. Ensinamos a colocar e mostramos folders com órgãos sexuais de pessoas com sífilis ou gonorréia, para impactar. Além disso, falamos sobre planejamento familiar. Conseguimos influenciá-los e eles passam a usar as informações, tirar suas dúvidas e levar o assunto para dentro de casa.?
Correr riscos era coisa de macho
A terapeuta Shirley Cesarino compara o comportamento dos jovens de hoje ao dos de 40 ou 50 anos atrás. Sua pesquisa de mestrado, que abordou a vivência da sexualidade entre os jovens daquela época, mostrou que há cinco décadas eles tinham menos acesso ao preservativo, mas temiam da mesma forma as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) – a gonorréia era a mais assustadora. ?Havia preservativos nas farmácias, mas os homens não compravam porque tinham vergonha. O farmacêutico, naquela época, era alguém da vizinhança. Mas, mesmo com o medo, eles se arriscavam, porque correr riscos era ?coisa de macho??.
Gravidez não preocupava. Em geral eles iniciavam a vida sexual com as prostitutas, e era por conta delas cuidar desse contratempo. ?Hoje acredito que ajam da mesma forma; correr riscos ainda é coisa de macho.? Para as meninas de família, aquelas ditas ?para casar?, a situação era mais confortável. ?Elas não tinham de demonstrar saber coisa alguma sobre sexo, e nem podiam.?
Na opinião da psicóloga, com o passar do tempo mudou a forma como se encara comprar a camisinha e o acesso à informação, mas os pensamentos parecem continuar os mesmos. ?Os garotos continuam tendo de fazer pose. Para eles é difícil lidar com a iniciação sexual, e o preservativo se torna mais uma ?encrenca? para lidar.? As meninas, diferentemente, deixaram de ser passivas e partiram para o ataque. ?As mais velhas conseguem exigi-lo mais facilmente; as mais novas já têm mais dificuldade.?
Quando o lado emocional fala mais alto
Alguns especialistas acreditam que o jovem ou adolescente deixa o preservativo de lado a partir do momento em que o lado emocional começa a falar mais alto. A psicóloga Lurdes Pinto Monteiro percebe que jovens na faixa dos vinte anos, ainda que pertencentes a uma classe bem informada, costumam prezar pelo uso da camisinha somente enquanto o relacionamento não é estável – exatamente como os abordados pela pesquisa da Universidade de Pelotas. ?Na linha divisória entre o ficar e o namoro, independente de terem acesso ao histórico médico do parceiro, passam a acreditar que o simples fato de estarem se conhecendo é suficiente para descartar a camisinha?, explica.
Já a psicoterapeuta e professora da Pontifícia Universidade Católica (PUCPR), Shirley Cesarino, aponta que a atitude pode estar relacionada a associar a retirada do preservativo a uma prática que lembre a sexualidade adulta, marcada pela confiança mútua e por uma relação de amor que foi construída passo a passo. ?Funciona como se fosse um álibi psíquico do tipo ?eu já posso fazer coisas de gente grande?.