O simples uso dos óculos de proteção evitaria grande parte dos acidentes com madeira, pregos e pedras, entre outros materiais cortantes e perfurantes que levam à catarata por trauma, forma diferente da catarata senil em que o distúrbio está associado ao envelhecimento.
Essa forma de prevenção é obrigatória por lei, porém nem sempre cumprida. Estudo epidemiológico realizado durante um ano pelo Hospital de Olhos do Paraná, envolvendo vítimas deste tipo de acidente, concluiu que pouco se sabe sobre a doença e sobre como tratá-la.
A realidade tem consequências diretas sobre a qualidade de vida da maioria dos portadores, principalmente do meio rural. Boa parte, durante anos, permanece com a visão prejudicada sem atendimento e sem acesso à informação.
Maria Celina Rubim Pereira e Michele Lonardoni Krieger, médicas responsáveis pelo estudo, lembram que traumas oculares podem ser evitados, e que devem ser cuidadosamente avaliados por especialistas. Além da catarata traumática, outras alterações oculares podem estar presentes, como o descolamento da retina ou mesmo o glaucoma secundário ao trauma.
A doença, quando causada por traumas, afeta trabalhadores na época mais produtiva da vida, entre eles, agricultores, serralheiros e latoeiros. |
Componente social
Agricultores atendidos no ambulatório do Hospital de Olhos são as vítimas mais frequentes do acometimento ocular, seguido por serralheiros, latoeiros e pedreiros.
Trabalhadores rurais totalizaram 28% dos casos de catarata provocada pelo trauma. Parte deles permaneceu décadas sem diagnóstico. Quando buscaram auxílio médico para tratamento enxergavam apenas vultos por não ter recebido atendimento precoce.
Pedras, pedaços de madeiras, perfurações por prego e arame foram os acidentes mais frequentes registrados entre esses trabalhadores. Crianças foram responsáveis por outros 24% das vítimas da doença, por envolverem-se em brincadeiras com bola, estilingues e flechas, entre outros brinquedos perfurantes.
É o caso do garoto Luiz Fernando, de 11 anos, natural de Foz do Iguaçu, que sofreu lesão ao brincar com um pedaço de borracha com a qual atirava pedras. Rosa de Jesus Nunes, sua avó, conta que logo após o acidente a família o levou ao pronto-atendimento.
Cinco meses após esse acidente, no entanto, ela observou que “a menina dos olhos” do neto mudou de tom – para o azul, acinzentado e branco. Nesse estágio, Luiz Fernando passou a enxergar só vultos, sem que a família soubesse. O diagnóstico definitivo da doença só foi feito em Curitiba.
A catarata causada por trauma apresenta forte componente social, pois atinge vítimas na época mais produtiva da vida. O estudo revelou que a maioria delas concentra-se na faixa etária entre os 20 e os 50 anos, assim distribuídos: 20%, dos 20 aos 35 anos; 16% dos 36 aos 50 anos; e 20% dos 51 aos 65 anos. Um total de 56% dos pacientes investigados tinha mais de 36 anos.
Cuidados especiais
As pesquisadoras lamentam, no entanto, pelas dificuldades existentes em se atuar na prevenção no meio rural. Pequenos agricultores vivem em locais isolados, sem acesso à informação e ao atendimento mais adequado.
Prova disso é que um mesmo paciente recebido na emergência do hospital foi vítima de catarata por trauma em um olho e depois de vários anos sofreu lesão similar em outro olho, sem os efetivos cuidados de prevenção, orientados pelo médico.
O oftalmologista Hamilton Moreira, coordenador da pesquisa, afirma que o estudo comprovou a eficácia da abordagem cirú,;rgica em uma área ainda considerada como uma barreira na especialidade.
É que a cirurgia para a retirada da catarata traumática difere do procedimento convencional (facoemulsificação), pois requer cuidados e protocolo cirúrgico específico, em razão da fragilidade da estrutura ocular atingida pelas lesões.
Ainda assim, todos os pacientes investigados na pesquisa submetidos à cirurgia de catarata no hospital apresentaram significativa melhora da acuidade visual no pós-operatório.
A catarata traumática requer cuidados especiais na sua avaliação e tratamento. A evolução dos recursos tecnológicos e das técnicas cirúrgicas vem trazendo uma melhoria importante no seu prognóstico, apesar de em traumas severos os resultados ainda serem reservados. O fundamental é que ela pode ser prevenida com medidas convencionais de proteção ocular, que devem ser amplamente disseminadas.