Poluição e estresse também influenciam na obesidade

Nos últimos anos, o tema alimentação tem sido um dos catalisadores mais atrativos no meio acadêmico em todo o mundo. Centena de cientistas vêm debatendo em congressos, simpósios e encontros, a importância de uma boa alimentação para a melhora da qualidade de vida das pessoas. A competitividade da vida moderna, o estresse, a persuasão publicitária e a poluição estão no rol dos ingredientes que mais têm contribuído para a deterioração dos os hábitos alimentares saudáveis. O excesso de conservantes, espessantes, aromatizantes, realçadores de sabor, tudo isso misturado com proteínas, carboidratos, vitaminas, gorduras e poucas fibras acarreta problemas que, depositados por longo período no organismo começam a se tornar visíveis e preocupantes aos profissionais de saúde.

No V Simpósio Latino-Americano de Ciência de Alimentos, realizado o mês passado na Unicamp, a discussão girou em torno das tendências de alimentos para o século que se inicia, com a apresentação de pesquisas recentes envolvendo aroma e sabor, microbiologia, inovação tecnológica, compostos bioativos, qualidade e segurança alimentar, bioquímica, projetos de combate à fome, genoma e transgênicos. A questão alimentar chegou a uma encruzilhada com tão pouca sinalização que até as grande empresas do ramos como Nestlé, Parmalat e Sádia, para ficar em poucos exemplos, passaram a olhar o tema por outro ângulo que não apenas o comercial.

A professora Glaucia Pastore da Faculdade de Engenharia de Alimentos (Fea) da Unicamp, que presidiu o simpósio, afirma que há um enorme crescimento na área de alimentos e o foco hoje se volta também para a relação entre alimentação, saúde pública e miséria. “É preciso que se conheça profundamente a composição química dos alimentos, suas características e seu manejo, a fim de fornecer um alimento melhor”, ressalta.

Segundo Valdemiro Carlos Sgarbieri, também professor da Fea, os problemas de saúde na idade adulta começam no útero materno. “A principal motivação para o desenvolvimento de alimentos funcionais, que se acentuou nos últimos anos, é o reconhecimento da relação entre nutrição e doenças, não apenas com o estado atual da saúde, mas com o estado futuro, passando pelo risco de doenças crônicas e degenerativas na meia idade, até a velhice”, acrescenta o professor.

Para Glaucia Pastore, o setor de alimentos neste século será marcado pelo tripé de novos aditivos e corantes naturais, propriedades funcionais e alimentos mais saudáveis, com pesquisas sustentadas inevitavelmente pela biotecnologia. Os alimentos funcionais foram assunto em pelo menos três sessões do simpósio, com ênfase para os produtos nacionais, a legislação e a ação de componentes como ácidos graxos fibras e animais.

Ainda não há legislação que traga uma definição clara do que seja alimento funcional. O conceito estabelecido no mundo é de um alimento semelhante ao convencional, que faz parte, mas não substitui a dieta usual, capaz de produzir comprovados efeitos metabólicos ou fisiológicos para uma boa saúde física e mental, auxiliando no risco de doenças não transmissíveis.

“Alimento funcional é qualquer alimento. É aquele que tem proteínas, sais minerais, aminoácidos, vitaminas, além de ter outras substâncias fitoquímicas, as substâncias bioativas. Esses alimentos acabam tendo um desempenho diferente no organismo no sentido de prevenir e tratar doenças”, explica a nutricionista Valéria Paschoal, de São Paulo.

“Como é de conhecimento, os alimentos funcionais dificultam a instalação de doenças, principalmente as crônicas degenerativas como câncer e diabetes. São doenças que acompanham o envelhecimento da população. No Brasil e no mundo, acaba sendo estratégico para os governos o incentivo a uma alimentação que diminua essas doenças e, conseqüentemente, os gastos com a saúde pública”, ressalta Glaucia.

Sgarbieri diz que no Brasil é tendência se fazer uma separação entre alimentos funcionais e nutracêuticos – utilizados mais comumente na forma de comprimidos concentrando ingredientes bioativos como fibras, lactobacilos, flavonóides, fitosteroídes e ácidos graxos. “A engenharia genética é de extrema importância para aumentar o teor de componentes funcionais e desenvolver produtos. Apesar da polêmica, temos nela um instrumento altamente eficaz para a inclusão de nutrientes, como o betacaroteno – fundamental para evitar a cegueira, aumento do teor de licopeno e flavonóide em vários frutos, produção de compostos de leite e formulação de vacinas”, ilustra.

O primeiro alimento funcional registrado no paíl foi uma margarina adicionada de fitosterol, capaz de reduzir o colesterol em cerca de 10%. O colesterol é um tipo de gordura produzido pelo fígado. Ele também está contido em certos alimentos tais como ovos, carnes e derivados do leite.

O colesterol é transportado no sangue pelas lipoproteínas. A porção do colesterol LDL (lipoproteína de baixa densidade), transporta o colesterol para o organismo. A porção do colesterol HDL (lipoproteína de alta densidade), remove o colesterol da corrente sanguínea. O melhor nível do colesterol é abaixo de 200. Se estiver entre 200 e 239, significa que a pessoa tem algum risco de sofre um ataque do coração, ou um derrame. Já nos níveis de 240, ou superiores significam o aumento do risco de doenças cardíacas.

“Se seu colesterol total é alto por causa da alta taxa de LDL, você tem maior risco quanto a doença cardíaca e derrame. Se a taxa total é alta por causa do HDL alto, a pessoa provavelmente não tem seu risco de doença cardíaca aumentado. O colesterol LDL menor que 130 é o melhor. Um nível de LDL de 160 ou maior, significa que a pessoa tem seu risco de doença cardíaca aumentada. O colesterol HDL menor que 35 coloca o indivíduo em maior risco, enquanto um nível de HDL de 60 ou acima, reduz seu risco”, conclui Vanuza Cristina Sá, assessora científica do Laboratório Sabin.

A nutricionista Valéria Paschoal compara uma pessoa que mora em São Paulo – uma cidade estressante e poluída, mas com boa oferta para uma alimentação saudável – com outra que more no interior – menos poluição, menos estresse, mas com alimentação inadequada – é diz que a segunda terá um impacto menor em sua composição orgânica do que a primeira. “Hoje, no meio científico, não é importante que o HDL, o colesterol ruim, seja alto ou baixo, e sim que seja oxidado e quem oxida são os radicais livres. E, infelizmente, devido a poluição e ao estresse os radicais livres não são abundantes e não conseguem oxidar o HDL”, explica .

Além do colesterol, a má alimentação contribui de forma significativa para o aumento do câncer e da obesidade. Segundo o médico Ênio Cardillo Vieira, nutrólogo e professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 35% dos casos de câncer no mundo são causados pela má alimentação, 30% pelo cigarro, 10% pela luz ultravioleta e 4% pelo álcool. Na luta contra a doença já foram isoladas 10 mil substâncias encontradas em frutas, legumes e verduras, que protegem contra o desenvolvimento do câncer.

“A receita muitos conhecem, mas poucos praticam. Adotar um estilo de vida adequado com a alimentação composta por frutas e hortaliças e poucos derivados da carne animal. E consumir alimentos nutracêuticos” ensina Cardillo.

Quando o assunto é obesidade, os Estados Unidos encabeçam o ranking mundial. Nada menos que 60% dos norte-americanos têm problemas com a balança, sendo que mais de 30% são obesos. E o mais alarmante é que o Brasil segue o mesmo caminho. De 10% a 15% dos brasileiros são obesos e, destes, 5% a 6% obesos mórbidos. Isto significa que de 1,5 milhão a 2 milhões pessoas estão na faixa da obesidade mórbida. Especialistas apontam que em matéria de obesidade, o país, nos próximos anos, pode acompanhar os Estados Unidos. Ou seja, estima-se que na próxima década cerca de 60% da população brasileira será mais pesada do que deveria.

Um dos motivos seria a alimentação inadequada. O fast-food, pela comodidade e modismo, virou mania nacional entre muitos adultos, adolescentes e, principalmente, entre as crianças. “O brasileiro já teve um período em que se alimentava adequadamente, principalmente pelo hábito de comer arroz com feijão – proteínas que combinam e tem um valor nutricional interessante. De uns quinze anos para cá, segundo dados do IBGE, a ingestão desses alimentos importantes tem diminuído. Atualmente, o brasileiro se alimenta muito mal”, afirma a nutróloga Valéria Paschoal.

“O que falta para o brasileiro é uma melhor educação nutricional. Falta a ele entender o que é uma alimentação saudável. Ser saudável não implica só a ausência de doenças mas igualmente o completo bem-estar físico, psíquico e social. Nesse sentido, a alimentação deve ser variada, de modo a nos fornecer uma gama completa de nutrientes, adequada ás necessidades calóricas individuais, mas igualmente colorida, saborosa e desfrutada em ambiente aprazível, para que nos proporcione momentos de prazer e descontração”, diz Paula Veloso, nutricionista e participante do Programa Alimentação Saudável (Arap).

Com o objetivo de mudar esse quadro alimentar do Brasil, Sgarbieri sugere a priorização de três grandes áreas de pesquisa em alimentos: os fitoquímicos, para amenizar os problemas de oxidação e dos radicais livres – oxidantes do HDL; o desenvolvimento de alimentos e estudo de fatores que levam á obesidade e uma terceira voltada para as conseqüências da obesidade, como doenças cardiovasculares e o câncer.

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