Os tempos atuais nos confinaram num mar de angústias sem fim, onde não só o dia de amanhã é incerto, mas o próximo segundo. Caímos de pára-quedas na tal globalização e, sem saber direito o que ela significa, fazemos de tudo para acompanhá-la. Esse esforço não se resume apenas a nosso desempenho profissional. O fato é que, a cada instante, somos lembrados de nossa impotência, pela necessidade imposta de nos superarmos, sempre!
Esse comentário, fruto da pós-modernidade, dá uma idéia do que está acontecendo neste momento: nos rendemos a jamais simplificar, com receio de sermos mal interpretados. O que quero dizer, no entanto, pode ser compreendido em uma conversa informal com alguém que já viveu quase um século e pôde experimentar essa mudança social.
Ele diria, inconformado, que os jovens não têm hora para chegar em casa, e nem ao menos sabem o que encontrarão quando voltarem. O número de leis duplicou, há multa para tudo e, impostos, então, nem se fala! Paga-se até para respirar; mas isso não quer dizer que as infrações diminuíram, até porque, aqueles que as aprovam são os primeiros a infringi-las.
Num mundo tão sem pai e cheio de mães superprotetoras, o medo de não conseguir sobreviver ganha proporções estratosféricas e veste roupas muitas vezes mais estranhas que aquelas apresentadas em desfiles de moda, mas com essência similar. Paga-se caro por algo desconfortável e descartável, mas quem resiste a se sentir atraente, sedutor e… poderoso por alguns instantes?
É com esses “trajes” que os pacientes chegam ao nosso ambulatório. Muitos se “vestem” de depressão, ansiedade, fobia, hiperatividade, anorexia, estresse, insônia, culpa, agressividade. Por causa disso, a maioria faz uso de acessórios pesados demais e difíceis de serem retirados, como o álcool, tabaco, anfetaminas, crack, cocaína e maconha.
Mas quando é possível se despir dessas vestimentas incômodas e perigosas, é aí que se olhar no espelho passa a ser menos sofrido. Ao assumir o seu verdadeiro lugar, a pessoa consegue lidar com a frustração de “ser pequeno”. Mas, que maravilhosa surpresa: ele descobre que existe! A angústia de ter que assumir um “outro lugar” vai ficando pelo chão e sumindo, junto com aquelas “roupas” que se vestia. Aí, a vontade de conhecer o próprio território vai crescendo progressivamente.
“Quem sou eu?” “Onde estou?” “Por que nasci?” Isso lembra Shakespeare? Parecem questionamentos ultrapassados? Pode ser. Para os chamados pós-modernos, questionar sobre o que não se sabe responder parece mesmo perda de tempo. Mas quando temos um tempinho para nós, essas perguntas ecoam e geralmente não param, nos impedindo de caminhar.
Quem não soube o que dizer a um familiar ou amigo que perdeu alguém importante? Ou a alguém que soube pelo médico que está com câncer, aids ou uma doença degenerativa? Tem algumas coisas que talvez só compartilharíamos com o médico, isso se ele tivesse tempo e desejo de ouvir. Sim, pois família, amigos, vizinhos disponíveis… isso é coisa do século passado! O fato, contudo, é que quem esquece disso, corre o risco de perder o que nem ao menos sabe se tem!
O que escrevi acima faz parte do nosso universo de trabalho, do nosso ambulatório e das demandas que recebemos e ouvimos todos os dias. Isso mesmo: ouvimos! Pois é, existem pessoas que ouvem, se interessam e despertam saberes desconhecidos naqueles com quem trabalham.
Esse é o nosso trabalho. Não poderia ser diferente: entendemos que cada vez mais a busca por autoconhecimento é fundamental para podermos viver melhor. Sabemos que é possível fugir das respostas que não querem calar, mas, acreditem, quando derem uma “paradinha” em meio à roda-viva deste mundo que gira cada vez mais veloz, elas virão à tona. Aí, será muito importante estar no lugar certo!
Se você se sente desnudo na multidão, não vista roupa alguma, nos procure! Nosso ambulatório cresceu, promove eventos, cursos e atende às diversas demandas por psicoterapia.
Carolina Fernandes Heidorn
é psicóloga e trabalha no Ambulatório da Clínica Quinta do Sol, em Curitiba.