O desconhecimento e a falta de um diagnóstico conclusivo podem levar pacientes que sofrem de diversas doenças não tão comuns a sofrer uma série de preconceitos.
Está, também, é a sina dos portadores de porfiria – uma doença genética caracterizada por uma deficiência de enzimas no organismo, que provoca dores abdominais agudas e pode levar à morte, se não tratada a corretamente e a tempo.
No caso das porfirias agudas, os pacientes procuram os médicos por sentirem diversos e variados sintomas, com queixas de dores. Geralmente, os exames não acusam nada e, consequentemente, são tachados de hipocondríacos e até mesmo de viciados em derivados do ópio (o medicamento mais apropriado para amenizar as dores extremamente severas).
Outros sintomas, como ansiedade, apatia, depressão, fobia e alucinação, dentre outros, são confundidos com distúrbios psiquiátricos. Não raras vezes, esses portadores da doença são internados como tal e sofrendo o mesmo preconceito desse grupo.
No caso de porfirias cutâneas, o preconceito vem da aparência da pele que sofre lesões quando exposta à luz. O preconceito se relaciona com as lendas e mitos, uma vez que os portadores devem se abrigar do sol e os tratamentos incluem transfusões de sangue ou flebotomia.
Vampiros e lobisomens
O geneticista Charles Marques Lourenço explica que existem dois tipos principais de porfiria: as agudas e as cutâneas. Nas agudas, predominam os sintomas neuropsiquiátricos e viscerais.
A dor abdominal é o sintoma mais comum, ocorrendo também náusea, vômito, constipação, dor e fraqueza muscular, retenção urinária, arritmias, confusão mental, alucinações e convulsões. Algumas porfirias agudas podem também desenvolver sintomas cutâneos.
“As porfirias agudas constituem um complexo grupo de doenças hereditárias metabólicas, também conhecidas como erros inatos do metabolismo”, esclarece o médico.
As porfirias agudas podem constituir casos de emergência médica que, se não diagnosticadas e tratadas a tempo, ocasionam disfunção total do sistema nervoso, culminando com paralisia respiratória, motora e coma.
Quando não levam à morte, podem ocasionar graves sequelas. Também podem tardiamente provocar câncer no fígado. Dentre os vários sintomas das agudas estão incluídos depressão, ansiedade, confusão mental e alucinações.
Nas porfirias cutâneas, os sintomas em geral se restringem à pele, nas partes expostas ao sol, com formação de bolhas, cicatrizes, escurecimento, espessamento e aumento de pelos. É este tipo de porfiria que deu margem às lendas sobre vampirismo em todo o mundo.
Segundo a Associação Brasileira de Porfiria (Abrapo), as condições reais da doença, aumentadas e deformadas pela imaginação popular, provavelmente tenham sido a fonte de folclore, mitos e lendas, como as dos vampiros e lobisomens, idéias difundidas por escritores e roteiristas de livros e filmes de ficção.
Difícil acesso
A incidência da doença é variável de um país para outro, mas em geral, estima-se que sejam portadores do gene 1 para 10 mil e existam pacientes com porfirias na proporção de até 5 para cada grupo de 100 mil pessoas.
No Brasil, não existem estatísticas oficiais, mas, considerando a população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a ascendência européia, existem aproximadamente 19 mil portadores no País, boa parte deles necessitados de diagnóstico e tratamento se forem expostos a situações de risco que desencadeiem a doença.
O paciente com porfiria pode ter uma vida normal, ou o mais próximo do normal possível, dependendo da gravidade das crises, se tiver diagnostico, tratamento, acompanhamento e orientações adequados.
No entanto, quando as crises são crônicas, as internações periódicas necessárias acabam prejudicando as atividades normais do indivíduo, inclusiv,e o trabalho, que promove seu sustento.
O tratamento requer medicamentos que não são produzidos no Brasil, e a legislação impõe entraves à importação, provocando em muitas ocasiões o risco de morte do paciente.
Tratamento
A falta de conhecimento torna difícil o diagnóstico, assim como o tratamento. Não existem laboratórios e hospitais de referência para o atendimento á doença. Também não existe um programa do Ministério da Saúde para dar atenção aos pacientes com porfiria. São pouquíssimos os médicos capacitados para atender os pacientes no Brasil.
Além disso, o medicamento indicado para regularizar o metabolismo ainda não tem registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o que torna mais difícil e demorada sua importação.
O tempo de tratamento depende de cada caso. Sendo uma doença genética, convive-se com a doença para sempre. No entanto, muitos dos portadores da mutação genética nunca vão desenvolver uma crise, pois é necessário um ou mais fatores desencadeantes para que isso aconteça.
Medidas urgentes
A Abrapo indica algumas medidas urgentes que podem facilitar o tratamento aos portadores de porfiria
* Criação de um protocolo clínico direcionado às porfírias, o que incluiria todo o processo de diagnóstico e tratamento
* Programas de capacitação médica dedicados à doença
* Promoção de campanhas para divulgação
* Registro do medicamento “hematina” na Anvisa, o que facilitaria a chegada do medicamento em tempo hábil até o paciente
* Inclusão da hematina nas listas do SUS (medicamentos excepcionais/alto custo) enquanto o medicamento não é produzido no Brasil.