A presidente da Academia Brasileira de Cuidados Paliativos, Maria Goretti Sales Maciel, chega à cidade trazendo novidades para uma categoria que se viu metida num debate de vida e morte nas últimas semanas: os médicos que trabalham com doentes graves e em fase terminal.
No Hospital Erasto Gaertner, hoje pela manhã, Goretti avalia monografia sobre medicamentos contra a dor – sua especialidade. Depois do almoço conversa com os profissionais de saúde. Ontem, ela participou da primeira reunião na Associação Médica Brasileira para discutir os critérios de criação de nova especialidade médica: a de cuidados paliativos. A especialização, que é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, ainda não é oficial no Brasil, mas existe em quase todos os hospitais e trata de aliviar a dor e outros sintomas de portadores de doenças incuráveis.
Sobrevivência
Quem trabalha nessa área -cerca de cem profissionais com especialização no exterior – defende a autonomia do paciente e o direito que tem de não sobreviver artificialmente. ?Hoje as pessoas morrem e continuam na UTI sobrevivendo graças às máquinas e aos remédios de última geração. Se a pessoa não tem chance de melhora não precisa passar por procedimentos invasivos. Pode morrer em paz, sedada e na companhia da família?, explica a oncologista que participou da elaboração do documento que reconheceu a ortotanásia no País.
A resolução, que permite interromper o uso de recursos que mantêm o paciente vivo em casos irreversíveis, foi publicada no último dia 28, no Diário Oficial da União, pelo Conselho Federal de Medicina. Não tem respaldo legal, mas instalou o debate.
Tratamento dos incuráveis
A resolução do Conselho Federal de Medicina não muda a prática nos principais hospitais. Erasto Gaertner, Cajuru e Hospital de Clínicas têm serviços especializados para tratar pacientes com doenças incuráveis e – como na maioria dos hospitais brasileiros – a ortotanásia não é novidade.
No Erasto Gaertner – o terceiro hospital do País a ter serviço de cuidados paliativos há 18 anos – os pacientes incuráveis são tratados por equipe multidisciplinar. Os responsáveis – o oncologista Roberto Bettega e a anestesiologista especializada em dor, Silvana Bozza – coordenam o trabalho de médicos, enfermeiros, nutricionistas e psicólogos.
?A gente recebe o paciente logo que há o diagnóstico de incurabilidade e a partir daí tratamos todos os sintomas, prescrevendo inclusive tratamentos que possam dar a ele mais tempo de vida, mas o nosso limite é a eficácia. Quando não está mais respondendo optamos por outra abordagem?, explica Bettega.
Vida
Silvana garante que já existe controle para 85% da dor, a principal reclamação dos pacientes com doenças crônicas. E que muitas vezes é mais fácil tratar o doente que convencer o médico da inutilidade de alguns procedimentos. ?A gente faz curso para curar. Não sabe lidar com a morte de forma natural, precisa hospitalizar para se sentir confortado?, comenta.
Essa também é a opinião do professor de bioética e oncologista do Hospital de Clínicas, Cícero Urban. Ele espera que a resolução instale o debate e melhore a formação dos profissionais da área médica. ?A gente aprende a curar, mas não sabe lidar com o paciente em estado terminal. Precisamos estudar também a terminalidade?.
Na opinião do professor de geriatria e diretor-técnico do Hospital Cajuru, José Mario Topina Machado, os médicos ainda precisam entender que viver é mais que um ato biológico e que isso deveria ser ensinado na escola. ?Não adianta o coração bater ou o pulmão respirar pela máquina se não há possibilidade de voltar a interagir. Hospital não é lugar onde não se morre?, diz.
Paciente não quer sofrer e busca autonomia
Paulo Cesar Ricarte nunca ouviu falar em ortotanásia, mas já avisou a mulher, o filho e os médicos que não quer sofrer numa UTI. ?Eu que já fui para UTI sei que só vale apena estar lá se for para voltar a vida normal. A vida sem lucidez, sem qualidade não é vida e não serve pra mim?, diz o empresário, esforçando-se para conter a emoção.
No Hospital Erasto Gaertner, Ricarte está se recuperando da segunda cirurgia no abdome.
A primeira foi há dois anos, logo depois do diagnóstico de câncer. Ele tinha 52 anos, 37 quilos a mais e um monte de planos.
A doença mudou a vida dele.
?O medo da morte eu tirei com muita oração. O carinho da minha família também ajuda e, hoje, tenho mais paciência. Vivo um dia de cada vez e o melhor que posso?, diz.
Há seis meses, quando o tumor voltou, Ricarte ouviu dos médicos que a doença não tem cura, mas é tratável. Desde então, ele é paciente da equipe de cuidados paliativos do hospital e se prepara para fazer rádio e quimioterapia. ?Meu objetivo é resgatar um pouco da minha autonomia e sair daqui com qualidade de vida.?