Como a Aids, a malária, a influenza e outras tantas doenças custam milhões de vidas todos os anos, ao que parece preocupar-se com a visão das pessoas pode parecer algo menor ou menos importante.
Pelo menos para as autoridades responsáveis pelos programas de saúde do país.
O fornecimento gratuito de óculos para as pessoas mais carentes pode ser um dos investimentos mais importantes para assegurar o desenvolvimento dos países, até então, classificados como sendo de “terceiro mundo” e da capacidade laboral de seus trabalhadores.
Nos locais mais remotos e pobres do planeta, milhões de pessoas não têm acesso a lentes corretivas, o que lhes permitiria conduzir melhor suas vidas, de maneira mais produtiva.
Um estudo publicado, recentemente, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), estimou o custo da produção laboral perdida devido a problemas de visão: 269 bilhões de dólares por ano.
Além da perda da capacidade de trabalho, os problemas de visão contribuem para o aumento expressivo da cegueira evitável nos trabalhadores. Que cegueira e pobreza andam junto, o Brasil já sabe.
Um estudo feito pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) reflete bem essa triste realidade: 90% das pessoas atingidas pela cegueira no país são de baixa renda.
Do total de 1,1 milhão de cegos existentes, hoje, no Brasil, a grande maioria, está na população mais pobre. Ainda segundo o CBO, as duas principais causas de cegueira evitável ou curável na América Latina, em geral, e no Brasil, em particular, são: a catarata e a falta de óculos.
Frustração
Há que considerar também que uma pesquisa do CBO apontou que, no Brasil, não há falta de oftalmologistas, contamos com um número adequado de profissionais. Assim, o que motiva a cegueira evitável é a falta de recursos da população mais pobre e o alto preço dos óculos.
“É muito frustrante para o oftalmologista que trabalha em locais mais remotos e carentes atender um paciente, diagnosticar o seu problema e, meses depois, atendê-lo novamente, com o problema agravado porque o paciente não teve condições de comprar os óculos prescritos”, reconhece o oftalmologista Virgilio Centurion.
Para o especialista, o ideal seria que o Brasil desenvolvesse o seu próprio modelo de óculos de baixo custo, permitindo que o próprio Sistema Único de Saúde (SUS), pudesse distribuí-lo à população.
“O importante é que os oftalmologistas brasileiros continuem tentem disseminar o tema e sensibilizar o governo, visando, assim, possibilitar o acesso ao óculos por todos que precisam”, defende o oftalmologista.
Hoje, os esforços da OMS e de diversos pesquisadores estão voltados para a busca de encontrar meios de distribuição de óculos de baixo custo, em grande escala.
Uma tecnologia promissora é a dos óculos auto-ajustáveis, que permitem que os próprios usuários consigam definir o seu foco, em menos de um minuto, reduzindo, assim, a necessidade de oftalmologistas capacitados, que raramente são encontrados em países da África ou em muitas regiões asiáticas.
Embora os óculos ajustáveis não possam ser úteis em casos de astigmatismo, pelo menos 80% dos demais erros refrativos podem ser corrigidos com o emprego dessas tecnologias.
Desinformação
A pesquisa do CBO também mostra que, por falta de informação e de acesso à medicina e à tecnologia, a região brasileira que apresenta o maior número de pessoas com catarata é a Nordeste.
Já o glaucoma é encontrado nos estados que têm maior população negra, como a Bahia. O maior problema da associação de falta de recursos e pobreza é a desinformação.
“As pessoas não sabem que existem doenças que causam a cegueira irreversível, que podem ser tratadas, antes que a cegueira definitiva esteja instalada”, afirma o oftalmologista Eduardo de Lucca.
Além da abordagem usual sobre as causas de cegueira com maior prevalência: catarata, glaucoma, degeneração macular relacionada à idade, retinopatia, diabética, precisamos levar em consideração o custo social da cegueira. “Ou seja, a expectativa de vida e a qualidade de vida dos pacientes que viverão cegos”, defende Eduardo de Lucca.
O levantamento dos agravos oculares na população é o primeiro passo para se identificar prioridades e estratégias dos gestores de saúde, políticos, pesquisadores e médicos interessados no combate à cegueira.
“Evoluímos ao ponto de a cirurgia de catarata, que antes se restringia a devolver a visão ‘possível’ aos pacientes se tornar um procedimento que tenta libertá-los também do uso de óculos após a cirurgia”, sinaliza o especialista, lembrando que já se pode restaurar a visão, sem a necessidade de lentes oftálmicas após a cirurgia.
Diante de tamanhos avanços e facilidades terapêuticas, é muito difícil aceitar passivamente que um idoso ainda fique cego por falta de acesso ao tratamento apropriado da catarata.
Projetos de baixo custo
Atualmente, três opções de óculos ajustáveis de baixo custo estão disponíveis no mercado. A mais antiga delas, uma invenção britânica chamada AdSpecs, vem atraindo a atenção da mídia há mais de uma década.
Os óculos permitem que o foco seja ajustado por meio de um líquido claro injetado nas lentes. Seu inventor, Joshua Silver, professor de Física da Universidade de Oxford, dirige o Center for Vision in the Developing World, um importante instituto de pesquisa inglês.
Desde o lançamento desse tipo de óculos, em 1996, Silver fixou a meta de distribuir um bilhão de pares de óculos de baixo custo, até 2020. Até agora, a entidade já distribuiu cerca de 30 mil deles, ao custo aproximado de R$ 38,00, o par.
Um grupo de holandeses, criadores da The Focus on Vision Foundation também produz óculos de baixo custo, batizados de Focusspec, por menos de R$ 10,00. Os fundadores do grupo afirmam que o preço irá cair substancialmente quando as lentes começarem a ser produzidas em grande quantidade.
A Fundação planeja distribuir cerca de 30 mil pares de seus óculos de baixo custo, neste ano, no Afeganistão, em Gana e na Tanzânia. O terceiro modelo de óculos de baixo custo, também holandês, é chamado de U-Specs. Está sendo desenvolvido pela VU University Medical Center em parceria com a organização do terceiro setor, D.O.B. Foundation.
Diferenças à parte, ingleses, holandeses e a comunidade científica concordam em um ponto: o mundo precisa de um projeto viável de óculos de baixo custo, que possa ser reproduzido em larga escala.
Por enquanto, nenhuma das empresas envolvidas no projeto é capaz de atender tal demanda, mas todas se consideram capazes de fornecer milhões ou mesmo bilhões de óculos de baixo custo aos países em desenvolvimento.