“Para muitos pode passar despercebido, mas que existe a questão do preconceito. A gente já enfrenta os problemas da doença com dificuldade, passamos por maus bocados e ainda somos tratados como ‘diferentes’, como bichos de outro mundo. Ainda bem que a diálise possibilita um pouco da qualidade de vida que a gente perdeu.”
O depoimento é de M.L.C., uma ex-operadora de turismo, 32 anos, que há seis sofre de doença renal crônica (DRC).
Essa é uma das muitas facetas que abalam emocional e socialmente o paciente renal crônico, assim que são identificados os primeiros sintomas da doença.
Sua vida se transforma radicalmente, pois a hemodiálise, tratamento ao qual precisa se submeter, traz profundas mudanças na sua rotina e na de seus familiares.
São as frequentes idas aos centros de diálise, as restrições alimentares, a perda do emprego e, consequentemente, problemas financeiros.
Assim, comentar sobre o seu lado emocional é antes de tudo reconstruir uma trajetória de perdas que vai muito além da função renal. O paciente renal crônico perde a liberdade que atinge atividades escolares, domésticas ou profissionais. “Passamos a depender da Previdência Social, da máquina, da família e da sorte, o que acarreta um desgaste e estresse emocional intenso”, enfatiza M.L.C.
Prevenção e cuidados
Quando o assunto é prevenção de doenças renais, atenção e informação são mais que necessários. Para avaliar a percepção da população acerca do tema, a Fundação Pró-Renal Brasil, com o apoio da Roche, encomendou ao Instituto Datafolha uma pesquisa para avaliar o conhecimento dos brasileiros sobre problemas renais.
De acordo com o levantamento, sete em cada 10 pessoas dizem tomar alguma atitude no dia a dia para preservar a saúde renal. O problema é que a alternativa mais mencionada para atingir esse objetivo é a ingestão de água (63%).
Os números são extremamente importantes, pois refletem o desconhecimento da população acerca de problemas que podem acometer os rins.
De acordo com especialistas, a ingestão de água não é a principal atitude que deve ser tomada para garantir a saúde renal.
“Não há evidência científica de que tomar muita água preserva a saúde dos rins. O próprio organismo tem um sistema altamente sensível para controlar essa ingestão, que é a sede. Por isso, além da água, os cuidados adequados com os rins devem incluir alimentação saudável e controle de doenças como diabetes, hipertensão, inflamações e infecções”, explica o nefrologista Miguel Riella, presidente da Pró-Renal. Outro dado preocupante é que apenas 30% das pessoas souberam apontar doenças que podem gerar lesões graves nos rins, como o diabetes e a pressão alta. Para o médico, esse número também revela a falta de conhecimento dos brasileiros.
São enfermidades comuns e cada vez mais incidentes no Brasil, figuram como as principais causas da DRC, que resulta na incapacidade irreversível das funções dos rins.
“O agravante é que, se os pacientes não têm essa informação e não fazem o controle dessas doenças, seus rins poderão ser gravemente afetados pela doença”, reconhece Riella, salientando que a DRC não apresenta sintomas até que as funções renais estejam comprometidas em até 75%. Com efeito, ao chegar nesse estágio, gera consequências gravíssimas, como à necessidade de hemodiálise e até de transplantes.
Anemia renal
Quando questionadas se problemas renais podem se agravar e causar anemia, 42% das pessoas responderam que não e 10% não souberam dizer.
Isso mostra que parte significativa da população, desconhece a anemia renal e, consequentemente, não está atenta aos seus complicadores.
“Há muitas pessoas que só conhecem a anemia provocada pela falta de ferro e não sabem que existe e nem o que é a anemia associada à doença renal crônica”, ressalta o nefrologista.
Estatísticas mundiais mostram que mais de 500 milhões de pessoas tem algum grau de DRC. Elas sofrem com uma deterioração da função renal que pode durar vários anos até que seja necessária uma terapia para a substituição do rim.
Quando é constatada a falência desses órgãos, os pacientes não conseguem secretar eritropoietina, hormônio produzido pelos rins que estimulam a fabricação de glóbulos vermelhos na medula óssea.
Sendo assim, eles desenvolvem anemia, diagnosticada por meio do exame que mede os níveis de hemoglobina (proteína que carrega o oxigênio dentro dos glóbulos vermelhos).
A anemia renal pode acometer os pacientes com DRC já nos estágios iniciais e piora à medida que ocorre perda progressiva das funções renais. Cerca de 95% dos pacientes com doença crônica renal que necessitam de diálise (procedimento que filtra o sangue) apresentam um quadro de anemia renal crônica.
A enfermidade prejudica o transporte e utilização de oxigênio em tecidos e órgãos do organismo, apresentando efeitos como fraqueza, cansaço, palpitações, dificuldade de concentração e tonturas, que afetam tanto a qualidade de vida quanto a saúde e o bem-estar.
Em grande parte dos casos, quando tratada tardiamente, a anemia renal contribui para o aparecimento de complicações cardiovasculares, como o aumento do tamanho do coração e a aceleração no ritmo de bombeamento do sangue em busca de compensação para a falta de oxigenação no corpo.
Outros resultados
* Tomar muita água é hábito mais comum 67% das mulheres
* 25% procurariam um clínico geral para o tratamento de problemas renais; 11%, um urologista e 5% procurariam um nefrologista. 54% não saberiam qual especialidade procurar.
* 45% souberam apontar causas para a anemia. As mais mencionadas foram falta de ferro (23%) e alimentação inadequada (14%).
* 62% das pessoas apontaram algum sintoma de problema renal.
* A baixa escolaridade tem reflexos na falta de conhecimento sobre problemas renais.
O Instituto Datafolha ouviu mais de 2.500 pessoas, com 16 anos ou mais, de 180 municípios brasileiros. A média de idade da amostragem foi de 38 anos e a distribuição por sexo foi equivalente entre homens e mulheres.
Números que valem
* No Brasil, aproximadamente 90 mil pessoas estão em diálise e 95% delas sofre de anemia renal.
* O tratamento dos pacientes em diálise consome cerca de 10% do orçamento da saúde no País.
* 70% dos casos de pacientes com DRC desenvolveram a doença por conta da diabetes e hipertensão.
* No Brasil, há cerca de 30 mil pacientes esperando por um transplante de rim. No ano passado, foram realizados cerca de 3 mil transplantes do tipo – ou seja, apenas 10% das pessoas na fila por um rim estão sendo atendidas.