O ser humano tenta encontrar uma explicação para fatos à primeira vista inexplicáveis. Um deles é a existência de doenças autoimunes. Os cientistas ainda tateiam em busca de motivos pelos quais as próprias defesas do corpo passariam a encarar o organismo como um adversário em um campo de batalha.
A herança genética tem sua parcela de responsabilidade neste processo do sistema imunológico. No entanto, apesar da predisposição, muitos passam a vida toda sem apresentar essa reação “estranha” dos guardiões do corpo, o que indica um maior sinal de que fatores ambientais atuariam como estopins importantes para a autoagressão.
Pesquisadores dos quatro cantos do globo querem decifrar quais seriam os gatilhos das doenças autoimunes. O lúpus encaixa-se neste perfil de pesquisa. É uma doença rara, mais frequente nas mulheres do que nos homens, provocada por um desequilíbrio do sistema imunológico, exatamente aquele que deveria defender o organismo das agressões externas causadas por vírus, bactérias ou outros agentes.
O anticorpo, que é um mecanismo de defesa, passa a ser um mecanismo de autoagressão. “O que caracteriza a doença auto-imune é a formação de anticorpos contra seus próprios constituintes”, explica o reumatologista Sergio Lanzotti.
Primeiro surto
No lúpus, a defesa imunológica se vira contra os tecidos do próprio organismo como pele, articulações, fígado, coração, pulmão, rins e cérebro. Essas múltiplas formas de manifestação clínica, às vezes, confundem e adiam o diagnóstico apropriado.
A doença exige tratamento cuidadoso por médicos especialistas. “Pacientes tratadas adequadamente têm condições de levar uma vida normal, ao contrário, as que não se tratam, acabam tendo complicações sérias, prejudicando sua qualidade de vida”, reconhece o reumatologista.
Entenda melhor o que acontece
O lúpus dificilmente aparece em meninas que ainda não menstruaram. Em geral, o acometimento coincide com a época da menstruação e atinge mulheres na faixa entre 15 e 30 anos.
Se não há lesão renal e cerebral no primeiro surto, trata-se do lúpus benigno caracterizado por lesões de pele, dor nas juntas, sintomas controláveis com medicação.
“É também provável que esta paciente não apresente os problemas ligados com o passar da idade e venha a falecer de outra causa, que não o lúpus”, ressalta Lanzotti. Se no primeiro surto, porém, a paciente manifestar lesão renal ou cerebral ou, as duas ao mesmo tempo, é sinal de mau prognóstico da doença.
Um dos critérios para diagnóstico da doença é a dor articular, ou seja, dor nas juntas, geralmente de caráter não inflamatório. É uma dor articular assimétrica e itinerante que se manifesta preferentemente nos membros superiores e inferiores de um só lado do corpo e migra de uma articulação para outra.
Geralmente, é uma dor sem calor nem rubor, sem inchaço, nem vermelhidão, os três sinais da inflamação. Há casos, porém, em que os três sintomas se fazem presentes.
Diversos critérios
A dor é frequente nas articulações dos membros superiores. Acomete punho, cotovelo, ombro e dedos das mãos, como se fosse um quadro de artrite reumatóide.
Esses sintomas estão presentes no primeiro surto de 90% das pacientes. Por isso, o especialista mais procurado são os reumatologistas. Se a paciente não apresenta dor articular, o diagnóstico clínico pode ficar em suspenso, pois não há rigidez matutina, como na artrite, reumatóide.
É uma dor migratória não muito intensa. “Esse detalhe, muitas vezes, retarda o diagnóstico, porque a paciente entra em remissão e não procura o tratamento médico apropriado”, relata o especialista.
Outro critério importante é a lesão renal. Paciente com a doença acompanhada de hipertensão no primeiro surto tem prognóstico mais reservado. No campo das doenças do sangue, o lúpus também está presente.
No passado, todos os casos de lúpus eram tratados com cortisona e seus derivados. “Hoje, contamos com recursos mais efetivos, inclusive em relação à própria cortisona”, comenta o médico.
Atualmente, as pesquisas e estudos para o tratamento do lúpus concentram-se no desenvolvimento de imunossupressores e imunomoduladores específicos para o combate e controle da doença.
Poder destrutivo
O lúpus tem um efeito profundamente negativo na vida profissional dos seus portadores. A constatação é de um levantamento realizado com mais de 2 mil pacientes ingleses que apontou a doença com grande capacidade em destruir carreiras.
Fato comprovado pela observação do importante número de pacientes que precisam parar de trabalhar, mudar de emprego ou pedir licença médica devido à doença.
Para o reumatologista Sérgio Lanzotti, é preciso desmistificar a doença para o paciente. O lúpus afeta a habilidade dele para o trabalho. Eles sofrem as consequências financeiras em deixar de trabalhar e ainda precisam enfrentar o problema psicológico, após o diagnóstico: como conduzir a carreira? “Muitos são forçados a mudar de direção e de planos traçados há muito tempo”, completa o médico.
A partir da pesquisa britânica, podemos concluir que o primeiro ano após o diagnóstico do lúpus é um momento chave para ajudar os pacientes a permanecerem em seus empregos.
Os profissionais de saúde podem alertá-los sobre o ritmo de vida profissional e a consequente fadiga, mostrar-lhes como manter os cuidados com a pele e ainda encaminhá-los para a terapia ocupacional, se necessário.
Essas medidas e outras mais particularizadas tornam possível o controle da doença, evitando crises sucessivas, que possam levar o paciente a parar de trabalhar.
Emprego sob risco
* 70% dos que responderam às perguntas relataram que o lúpus afetou sua carreira
* 27% tiveram que tirar licenças médicas de longo prazo
* 28% tiveram necessidade de solicitar um auxílio de invalidez da segurança social de seu país
* Somente 52% estavam empregados atualmente
* 28% dos participantes relataram que tiveram a necessidade de mudar de carreira, como resultado de sua condição, no primeiro ano, após o diagnóstico
* Dos entrevistados que estavam empregados, 60% relatou que a doença levou a uma redução do seu horário de trabalho