Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas que o Brasil já teve, diplomou-se em farmácia nos idos de 1925, profissão pela qual demonstrou pouco interesse. No entanto, seus poemas têm tudo a ver com o momento em que vivemos. Começando pela pedra que estava no meio do caminho. Muitos empresários se deparam com enormes pedras no meio do caminho e precisam removê-las. Entre as mais pesadas, podemos citar a inexistência de produtos de alto custo nas lojas, fazendo com que as indústrias privilegiem os deliveries no direcionamento das receitas médicas; as trocas de medicamentos em desacordo com a Lei 7.991/99, pois muitas farmácias efetuam as substituições por produtos similares, quando a lei permite a troca apenas por genéricos, e o sistema de remuneração dos atendentes adotado por grande parte das farmácias.
Se formos enumerar as pedras que temos pelo caminho não bastaria o espaço de um artigo e sim de muitas páginas de um jornal, mas indubitavelmente a maior pedra encontrada é a que estamos vivendo na prática: o movimento de operação logística adotado pelas maiores indústrias farmacêuticas, sobretudo as multinacionais.
Esse movimento, iniciado há cerca de dois anos, já é uma realidade sem volta. As indústrias estão trabalhando um painel bastante reduzido de farmácias, com o intuito de buscar um relacionamento efetivo com cerca de 13 mil pontos-de-venda que atendem 75% da demanda de medicamentos no País, segundo dados do IMS Health (instituto que audita o mercado). Algumas indústrias atuam com um painel ainda menor.
E, por que essa é a maior pedra? Porque as farmácias que estão ficando de fora desses programas perdem competitividade no mercado. E o principal objetivo das indústrias é resgatar a gestão comercial do canal, ou seja, os estabelecimentos participantes recebem descontos e serviços que as demais não irão receber. Até porque esses descontos não são e não serão oferecidos apenas pelo poder econômico de determinados estabelecimentos, se tornando, na verdade, a maneira que elas encontraram para remunerar o serviço prestado.
Ao voltarmos à literatura de Drummond, lembrei-me do célebre ?José?, que dizia: ?E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou,… e agora, José, para onde??
O empresário que sabe que muitos caminhos poderiam ter sido diferentes e que certamente muitas pedras poderiam ter sido evitadas, sabe também que o poema José termina com um fio de esperança para todos nós, que queremos e sabemos que ainda é tempo de mudar, pois, como disse o poeta:
Mas você não morre, você é duro, José! Só não faça como Drummond que demonstrou pouco interesse pela profissão de farmacêutico, mesmo porque poucos conseguem viver só de poemas.
Edison Tamascia, presidente da Febrafar – Federação Brasileira das Redes Associativistas de Farmácias.