Quando a adolescente Josélia Silveira de Jesus, de 14 anos, perdeu a guarda de sua filha, Melissa, para um abrigo de menores em Campinas, há três semanas, houve quem pensasse que a decisão judicial era um episódio isolado. Mas o caso chamou atenção para uma disputa cada vez mais freqüente no direito de família: a guarda de filhos de adolescentes. Juízes e advogados alertam para a tendência das sentenças recentes de discutir a capacidade das mães adolescentes de cuidar de seus bebês e dar assistência total aos direitos da criança. Se o juiz achar que a jovem não tem maturidade para cumprir os deveres maternos, pode cassar seu direito de educar o filho.
– No caso de mães menores de 18 anos, há uma atenção redobrada da justiça. O que se vê, com freqüência, é que os responsáveis pela adolescente acabam por assumir de fato a educação da criança. Os avós se encarregam de assegurar os direitos do bebê – afirma o juiz Antônio Carlos Esteves.
O problema é maior quando a mãe adolescente é uma filha rebelde, em conflito com os pais, como Josélia.
– A minha mãe é alcoólatra, me batia muito, e por isso eu fugi para a casa da minha sogra. Só não sabia que podia perder o meu filho por ser rebelde – diz Josélia.
O advogado de família Paulo Lins e Silva diz que os juízes estão mais preocupados com o bem-estar da criança.
– O juiz deve zelar pelos interesses da criança. Não importa se ela vai ficar com a mãe, com os avós ou com um tutor, desde que seja bem educada.
Mãe de Ana Beatriz, de 15 anos, grávida de sete meses, a enfermeira Teresa Esteves confessa que levou um susto com a gravidez da filha.
– Sempre imaginei algo diferente para ela. Mas depois pensei melhor e resolvi acolher a criança com todo o meu amor. Minha filha não tem condições financeiras nem psicológicas e não vai se casar com o pai da criança. Então, serei uma segunda mãe com todo prazer.
O aumento da gravidez na adolescência tem índices alarmantes: o Censo 2000 mostrou que a taxa de fecundidade no país cresceu apenas na faixa dos 15 aos 19 anos. Desde 1980, o número de crianças nascidas de mães nessa faixa subiu 14%, enquanto, noutras faixas, houve redução. Médicos dizem que angústia, baixa auto-estima e queda no rendimento escolar são comuns em mães adolescentes.
– A gravidez pode vir desses problemas. Às vezes, por não ter estrutura psicológica, a jovem procura no sexo um recurso para aliviar angústia. Elas buscam satisfação sexual e acham a gravidez – diz Fábio Barbirato, do Departamento de Psiquiatria Infantil da Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro.
Há quem discorde e ache que ser mãe na adolescência é difícil, mas altamente recompensador. As estudantes Rafaela da Nóbrega e Raquel Peres, ambas com filhas de 1 ano, são exemplos de convivência pacífica com os pais.
– Depois do susto inicial, a reação dos meus pais foi ótima. A adolescência para mim é uma fase conturbada, mas hoje sei que é maravilhoso ser mãe – diz Rafaela.
Mães cada vez mais jovens causam crise familiar
O psiquiatra Fábio Barbirato diz que a maternidade na adolescência pode levar a uma crise de referência familiar.
– A maioria dos adolescentes é acolhida por seus pais e o que se vê são crianças criadas por dois pais e duas mães, ou seja, os pais biológicos e seus avós. A mãe biológica passa a ser vista como irmã mais velha, pode perder o respeito e criar conflitos.
Um aumento de 12% em cinco anos no número de jovens grávidas com idades entre 12 e 16 anos que procuram a Psiquiatria Infantil da Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro, chamou a atenção do psiquiatra.
– Como saber se a adolescente está preparada para a maternidade, se quer abrir mão de algo em função de seu bebê? Uma menina de 12 anos não tem estrutura corpórea e nem psicológica para assumir esta responsabilidade.
Ana Beatriz Esteves, de 15 anos, diz que ficou triste no início da gravidez.
– Adoro criança, mas não contava em ter uma neste momento. Agora gosto de ver como a minha barriga cresce.
Michele Gomes, de 17 anos, diz que o filho foi desejado:
– Isso não é novidade na família. Eu nasci quando minha mãe tinha 19 anos.
Dados do Ministério da Saúde mostram que, do total de nascidos vivos em 2000 no município do Rio, 20% têm mães entre 10 e 19 anos.
– O tema é de suma importância e deve ser discutido em casa e na escola. Há riscos graves na gravidez da adolescência – diz o presidente da Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro (Soperj), Sidnei Ferreira.
Segundo a psicóloga Débora Gil, do Núcleo de Medicina do Comportamento (Napades), somente em casos específicos de transtorno psicológico deve se pensar num afastamento da criança e da mãe.
– Se o senso de autopreservação da mãe estiver abalado, ela não terá capacidade de olhar pela preservação de uma vida dependente dela – diz Débora, acrescentando que a precariedade de condições materiais e a imaturidade emocional não justificam este afastamento.
A advogada de família Carmen Fontenelle diz que cada caso é um caso e cabe ao juiz decidir de quem é a guarda.
– Se a adolescente ficar na casa da mãe, por exemplo, isto não significa que a responsabilidade da criança seja da avó. A adolescente pode morar com a mãe e dividir essa responsabilidade. Nesses casos, a guarda é conjunta.
Para a terapeuta de família Cristina Milanez Werner, dois fatores indicam um despreparo da adolescente para exercer a função de mãe: descompromisso e desconforto.
– São reações típicas da adolescente quando é obrigada a descobrir o mundo adulto precipitadamente. Muitas se entregam a uma vida sexual promíscua. Outras reconhecem a própria incapacidade de lidar com a situação e se sentem impotentes, deprimidas e revoltadas.
Sinais de alerta
PARA OS MÉDICOS: Terapeutas e especialistas em psiquiatria infantil consideram depressão grave, anorexia, dependência de drogas e transtornos de conduta em casa como fatores que indicam que a mãe adolescente não tem condições de cuidar do filho sozinha. Há, porém, unanimidade em considerar essencial que o filho conviva com a mãe adolescente, ainda que a criança fique sob a guarda dos avós ou de um tutor.
PARA OS JUÍZES: Para a justiça, a proteção dos interesses da criança prevalece sempre. Aos pais cabem o dever de sustento, a guarda e a educação dos filhos menores e serão observados todos os fatores que comprometam o cumprimento deste dever, sempre que houver litígio sobre a guarda de uma criança. Quando a mãe adolescente não cumpre com este dever, ela pode ter a guarda do filho suspensa.