Preocupado com a situação em que se encontrava sua filha, dependente química em tratamento, o publicitário A. L. S., de 42 anos de idade, tomou a decisão de abandonar o cigarro, seu companheiro de duas décadas. “Nesse momento de dor, queria mostrar para ela que, com força de vontade, poderia abandonar o vício”, conta. Isto aconteceu há menos de um ano e o empresário só lamenta não ter feito essa opção há muito mais tempo. “Minha qualidade de vida melhorou, subo pela escada até o sexto andar onde trabalho e minha pele, que parecia sempre ‘rachada’ voltou a ter aparência normal”, comemora. Soltar foguetes mesmo, só vai acontecer quando a sua filha estiver longe das drogas. Fato que está preste a acontecer.
De acordo com a psicóloga Tamara Carnevali Marussig, especialista em dependência química, em 90% dos casos, o início do consumo de cigarros ocorre na adolescência e, geralmente, os fatores que levam ao consumo são sociais. “Invariavelmente o uso do tabaco chega pelo exemplo dos pais ou colegas mais velhos, sofrendo, também, importante influência da mídia”, reconhece. Estima-se que 1/3 das pessoas que experimentam o fumo venham a se tornar dependentes e, destes, poucos conseguem largar o cigarro em definitivo. Conforme atesta a especialista, apenas entre 1% e 5% conseguem se manter abstinentes após uma tentativa sem um devido tratamento clínico.
Bronquite e enfisema
A. L. S., que já apresentava tosse e falta de ar, aos poucos também vai ficando distante da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), uma sigla presente, apesar de pouco conhecida, na vida de 5,5 milhões de brasileiros, principalmente aqueles com mais de 40 anos de idade. A DPOC é uma enfermidade crônica e, atualmente, a principal causa de morte prevenível no mundo. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que a cada 8 segundos uma pessoa com doença relacionada ao tabagismo morre. O que mais impressiona é que nesse mesmo espaço de tempo, um novo fumante adere ao vício.
O pneumologista Roberto Pirajá Moritz de Araújo, da Sociedade Paranaense de Tisiologia e Doenças Torácicas, esclarece que, na verdade, a DPOC engloba outras duas doenças: a bronquite crônica, uma inflamação nos brônquios caracterizada pela presença de tosse e catarro por pelo menos dois anos, e o enfisema pulmonar, uma doença que destrói as paredes dos alvéolos e dos brônquios. “Na DPOC, as duas sempre estão juntas, mas pode haver predominância de uma ou de outra”, alerta.
Efeitos cumulativos
Por ter seus efeitos nocivos mais presentes com o passar dos anos, os sintomas da doença, de acordo com o pneumologista José Roberto Jardim, professor de Pneumologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), muitas vezes são confundidos com o processo natural de envelhecimento. “Dá para entender porque seu portador tem limitadas suas atividades diárias”, observa. Porém, por meio do diagnóstico precoce, abandono do cigarro e adoção de tratamento médico adequado, o paciente com DPOC pode retardar o avanço dos sintomas e garantir uma melhor qualidade de vida.
Segundo o professor Jardim, a doença, na maioria dos casos, surge após os 50 anos de idade, porque é necessário ter o vício de fumar durante décadas para que ela apareça. Conforme o especialista, além do tabagismo, a doença pode afetar pessoas expostas a ambientes poluídos por gases tóxicos ou produtos químicos, como ocorre com trabalhadores de indústrias químicas e de vidro, por exemplo.
Bronquite e enfisema
Os pacientes em estágios avançados da doença estão mais sujeitos às internações, principalmente quando da piora do quadro. Isso acontece com pacientes com média de idade de 60 anos e que não foram diagnosticados precocemente. Essas complicações s&atil,de;o conhecidas como exacerbação ou crise. O cenário provoca conseqüências impactantes tanto para o paciente – já que se trata de uma doença que não tem cura e o deixa ainda mais debilitado -quanto para o Governo que tem um aumento de custos, aumentando a despesas com os cuidados com a saúde pública. “Em média, o período de internação nos casos mais graves pode chegar a uma semana, mas o paciente pode levar até um mês para se recuperar completamente depois de uma crise”, alerta José Roberto Jardim.
Os especialistas são unânimes em afirmar que é importante o paciente se tornar parceiro do médico e aderir sem falhas ao tratamento. Assim como o diabético e o hipertenso, o portador de DPOC precisa aprender a lidar com a doença e assim evitar que ela chegue aos estágios mais graves, quando a doença e a lesão pulmonar estão mais avançadas. “Aprender a conviver com a doença envolve investimento em mudança de hábitos e de estilo de vida”, observa o professor Jardim. Em estágios avançados da enfermidade, o paciente não consegue realizar atividades rotineiras simples, como tomar banho, caminhar e até conversar. Assim, passa a depender da ajuda de terceiros e necessita adotar uma terapia com medicação específica e reabilitação pulmonar. Para isso, deixar de fumar é o primeiro passo.
Deixando a fumaça para trás
Livre do hábito de fumar, o organismo humano vai recuperando suas funções normais, minuto a minuto. Acompanhe a cronologia da desintoxicação:
20 minutos:
Diminui a pressão sangüínea e cardíaca
8 horas:
Os teores de monóxido de carbono começam a apresentar valores normais
O oxigênio no sangue aumenta lentamente
2 dias:
Melhora a circulação
Os terminais nervosos ficam normalizados
2 semanas:
O exercício físico é feito com maior facilidade
A função pulmonar aumenta 30%
2 a 9 meses:
A tosse, a sinusite e a dificuldade respiratória diminuem
Aumenta a capacidade para reagir às infecções dos brônquios
1 ano:
O risco coronariano diminui 50%
5 anos:
A incidência de morte por câncer de pulmão fica reduzida à metade
10 anos:
A mortalidade por câncer de pulmão adquire os mesmos índices que a dos não fumantes
15 anos:
O risco coronariano alcança o mesmo índice dos não fumantes
DPOC: números preocupantes
* O tabagismo é a principal causa da doença: 90% dos portadores são fumantes e ex-fumantes
* A doença já é a quinta maior causa de morte no Brasil, com 39 mil óbitos por ano – mais de quatro brasileiros a cada hora – segundo o Datasus (Ministério da Saúde)
* A doença afeta atualmente cerca de 5,5 milhões de brasileiros
* Nas duas últimas décadas, a doença apresentou um crescimento de 340%
* Estima-se que a prevalência na população com mais de 40 anos é de 18% para os homens e 14% para as mulheres
