Número de crianças obesas cresce muito rápido no Brasil

A obesidade infantil, já considerada um caso de calamidade nos Estados Unidos, está se tornando um problema igualmente grave e preocupante para a classe médica brasileira. Segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), 15% das crianças e adolescentes do país estão acima do peso ideal, constatação inquietante para os profissionais de saúde.

Falar em obesidade num país onde se estima que 46 milhões de pessoas passam fome e 6% são desnutridos, pode parecer ironia, mas a situação não é bem assim. “No Brasil, 40% da população é obesa e, desse percentual, 15% são crianças. Se essa situação não for contornada, o número de obesos continuará aumentando, podendo atingir cerca de 70 milhões de pessoas”, informa o médico endócrino-pediatra Luiz Cláudio Castro, de Brasília.

Preocupado com o crescimento da obesidade entre os alunos das escolas estaduais, em dezembro de 2001 o governo de Santa Catarina sancionou uma lei regulamentando os serviços de lanches e bebidas nas escolas públicas e privadas que atendem a educação básica. A lei estabeleceu para elas, padrões de qualidade nutricional e de vida indispensáveis à saúde dos estudantes.

De acordo com Castro, a norma foi implantada, inicialmente, em Florianópolis e depois se estendeu por todo o estado de Santa Catarina. “Todas as cantinas da rede de ensino ficaram expressamente proibidas de vender bebidas com quaisquer teor alcoólico, balas, pirulitos, sucos artificiais, refrigerantes, gomas de mascar, salgadinhos industrializados, salgados fritos e pipocas industrializadas. O estabelecimento alimentício deve colocar à disposição dos alunos frutas, sucos e sanduíches naturais, objetivando a escolha e o enriquecimento nutritivo dos mesmos”, diz o médico.

“No início”, conta ele, “houve um certo conflito com os donos das cantinas, que alegavam que 80% do lucro vinha da venda dos salgados e dos refrigerantes. Depois de implantado o processo de reeducação alimentar das crianças as vendas voltaram a ser adequadas”. E, por sua vez, as crianças passaram a se alimentar de forma correta. A Sbem, com a ajuda do Promotor de Justiça do consumidor do estado de São Paulo, João Lopes, e de alguns deputados tenta agora estender a lei catarinense para todo o país.

A obesidade é definida como um distúrbio do metabolismo energético que leva a um excessivo ganho de gordura corporal e tem sido considerada como um sério problema de saúde pública, especialmente porque está associada a uma série de doenças graves como hipertensão arterial, cardiopatia, diabetes tipo 2, problemas pulmonares, lesões de pele, aumento do colesterol e triglicérides e até mesmo câncer de estomago, intestino e próstata.

À medida que as condições de vida favorecem o sedentarismo devido à redução da atividade física, as crianças não têm mais espaço para brincar na rua, subir em árvores, andar de bicicleta, principalmente por causa da violência espalhada por quase todo o país. Assim, ficam mais tempo em casa, na frente do computador, televisão e vídeo game. “Hoje a praticidade da vida faz com que fiquemos mais sedentários, doença crônica mais comum na humanidade. Outro
grande fator apontado como facilitador da obesidade é a tecnologia, que alcança um número cada vez maior de pessoas, cobrando um alto preço pelo conforto e comodidade oferecido”, diz Castro.

Devido à correria do dia-a-dia, os hábitos alimentares mudaram bruscamente. Em relação aos outros países a nossa alimentação original era: arroz, feijão, carne, alface e tomate. E hoje há uma troca trivial desse cardápio para outro muito mais calórico, que são os chamados fast-foods.

Há uma década, a refeição brasileira era considerada referência para uma boa nutrição, segundo a Organização Mundial de saúde (OMS). “Contudo, com a reprodução dos hábitos alimentares provenientes dos Estados Unidos, compostos por alimentos ricos em calorias, açúcares e gorduras, a obesidade no Brasil aumenta a cada dia”, reafirma o endócrino-pediatra.

Um outro fator de extrema importância é a qualidade de vida que os pais proporcionam aos filhos. “Hoje, os pais muitas vezes esquecem que são modelos para os filhos. Para que a criança ou o adolescente mantenha uma alimentação saudável, os pais têm que incentivar bons hábitos alimentares e manter de forma rígida esse comportamento alimentício, para que os filhos possam copiá-los” lembra Castro.

Para o endócrino-pediatra a melhor maneira para se trabalhar com a obesidade é por meio da informação. Ele diz que a obesidade infantil cresce mais rápido nas camadas mais humildes da população do que nas de maior poder aquisitivo. A cesta básica é composta de nutrientes como: os alimentos construtores, os reguladores e os energéticos. Os alimentos energéticos são aqueles que nos fornecem energia, como os carboidratos (pães, massas, farinha); os construtores e reguladores são os que proporcionam a formação muscular do corpo, como as vitaminas do ferro, do cálcio, do fósforo e etc.

“De uma cesta básica, 40% do seu valor é composto de proteínas (leites, carnes, ovos), 40% de frutas e verduras e apenas 20% de carboidratos. Por serem mais baratos, os carboidratos são mais consumidos pela população de baixa renda, pois com menos dinheiro se compra muito mais em volume. E o pior é que essas pessoas têm a sensação de estarem bem alimentadas e estão consumindo cada vez mais calorias ao invés de nutrientes e, assim, ganham cada vez mais peso, se tornando obesas”, comenta Castro.

A criança obesa tem, de acordo com levantamentos efetuados em todo o mundo, de 60 a 80% de chance de ser um adulto obeso. Por isso é importante que, desde cedo se detecte um pequeno aumento de peso na criança em relação a sua altura, e que isso seja adequadamente orientado pelo pediatra. Castro explica que até os 10 anos de idade o número de células gordurosas do organismo aumenta e quando atinge um determinado índice, depois dos 11 anos, a criança não tem como descartar essas células. As células gordurosas estarão sempre presentes no organismo. Então, se aos 11 anos a criança é obesa, estas células tendem a se multiplicar, dificultando sua eliminação no futuro. Para reduzir o volume destas células, a criança tem que perder peso. “Desta forma, fica um verdadeiro efeito sanfona, a criança ganha e perde peso a toda hora”, diz o médico.

Segundo Castro, a obesidade tem uma tendência genética. Algumas pessoas têm esses genes que predispõem à obesidade. O médico informa que “a obesidade não é uma doença endocrinológica” e que a pessoa não tem controle sobre ela. Ele diz que a criança tem tendência a ganhar peso excessivo, mas se controlada essa tendência não se manifesta. Como exemplo Castro diz que “se uma menina porta os genes que provocam o excesso de peso, mas tem uma alimentação saudável e faz atividade física, não terá peso excessivo e sim um peso adequado”.

O peso acima do normal prejudica as crianças de formas variadas: do ponto de vista emocional, a obesa passa a enfrentar uma pressão negativa desde idades precoces. Sendo descriminada, não sendo aceita pelo seu aspecto físico, para ganhar amizades adota comportamentos de baixa auto-estima, ou seja, passa a ser extremamente generosa; às vezes, é cômica, uma palhaça para ocupar algum espaço. Outras vezes, pode ficar agressiva ou evitar o contato social. Isso tudo desembocará em problemas psicológicos e psiquiátricos, causando sérios transtornos no futuro.

Para contornar o problema do excesso de peso, Castro adota uma reestruturação alimentar entre o paciente e toda a família. “Mostramos ao paciente que tudo é permitido, só não pode exagerar. Então, o correto é ensinar o paciente a comer na hora e na quantidade certas, além de conscientizá-lo da importância da prática de exercícios físicos”, diz.

Na sua opinião, “o médico não pode passar um regime restritivo às crianças, pois se encontram em fase de crescimento. Se for adotada essa reestruturação alimentar, o crescimento não será afetado”. Castro ressalta que “não queremos crianças magras e baixas e sim com todo o potencial de crescimento no peso e estatura adequados”.

A prescrição de medicamentos é restrita, pois muitos deles, receitados para o emagrecimento, nunca foram testados em crianças e adolescentes e alguns desses remédios podem ter componentes que afetam o sistema nervoso central, causando depressão e ansiedade. “O uso de remédios para perder peso é transitório, a pessoa emagrece em determinado tempo e volta a engordar assim que para de tomar o medicamento. Agora, se a criança e o adolescente adquirem hábitos alimentares saudáveis, eles serão mantidos por toda a vida. O hábito criado é o melhor medicamento a ser utilizado”, destaca Castro.

O cálculo oficial utilizado para definir se uma criança está obesa ou não é baseado no Índice de Massa Corporal (IMC). Seu cálculo é resultado da divisão do peso pelo quadrado da altura do indivíduo, ou seja, multiplicando a altura pela altura, calculamos a área corporal da pessoa, dividindo o peso pela área, descobrimos quantos quilos ela carrega por metro quadrado de corpo. A OMS utiliza os seguintes pontos de corte para definir se uma pessoa é obesa ou não: IMC entre 18 e 25 Kg/m² = eutrófico (boa nutrição); IMC entre 25 e 30 Kg/m² = sobrepeso; IMC acima de 40 Kg/m² = obesidade mórbida. Nas crianças são utilizados os mesmo cálculos, mas o valor encontrado é aplicado a uma tabela que leva em consideração o sexo e a idade.

“Não existe, ainda, um estudo que mostre se há uma maior probabilidade de ter meninos ou meninas obesas. O que se sabe é que a disposição de gordura entre o homem e a mulher é diferenciada. O homem deposita mais gordura no abdômen e a mulher no quadril. “Esteticamente a mulher é mais preocupada com essa gordura. Mas a gordura abdominal do homem é mais preocupante em termos de saúde, pois ela pode infiltrar nas vísceras, nos pâncreas e fígados, gerando doenças como diabetes tipo 2”, explica o especialista.

Castro afirma que a melhor forma de evitar que os números de crianças obesas crescam no país e em Brasília, que em ambos já representa 15% da população, é pela educação alimentar. “Essa educação não está só no consultório médico, mas também nas escolas, nas famílias, nos amigos e na mídia”. Para que a criança se sinta segura nessa mudança alimentar é necessário que os profissionais e as pessoas saibam respeitar e orientar a velocidade de ritmo da criança, para que esta se sinta estimulada e confiante. O médico enfatiza também que é preciso ter sempre em mente que “a perda de peso é gradual, é um processo a ser resolvido ao longo do tempo e, é claro, sempre respeitar os hábitos culturais de cada família”.

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