O cardiologista não é o primeiro médico que a gente consulta, e se dependesse só da vontade ninguém procuraria um.
Dá medo só de pensar em precisar de um especialista em coração. Por isso quem chega até um deles já sentiu dores no peito, tem histórico de doenças relacionadas ao coração na família e está com medo de morrer.
Foi assim – com muito medo – que a empresária Dóris Felix chegou até o cardiologista Costantino Costantini. Foi ele quem diagnosticou a dor que ela sentiu como infarto. ?Você pode imaginar o susto que é receber uma notícia dessa com 40 anos, dois filhos, marido e um monte de coisas para fazer??, provoca Dóris.
A empresária não fuma, não bebe, não está acima do peso e mesmo assim infartou. Ela culpa o stress. O médico vai mais longe. Diz que a falta de disciplina é o maior problema moderno. Segundo Costantini, por falta de disciplina as pessoas vão negligenciando a saúde. Esquecem de tirar um tempo para o lazer, trocam refeições saudáveis por comidas gordurosas, rápidas e enlatadas. E quando se dão conta estão no cardiologista precisando mudar de vida.
?Mas por que esperar um infarto para mudar de vida??
A pergunta do cardiologista quem responde é a própria empresária, que hoje toma remédio e incluiu exercícios físicos entre os compromissos do dia, de todos os dias. ?Sabe qual é a dieta do cardiologista? É simples. Corte tudo que é bom.?
De excelente humor, Costantini rebate dizendo que essa é parte da receita para viver mais e melhor. E é assim em todos os cardiologistas. Você chega com um monte de exames e sai com uma lista do que não comer. Leva as queixas de dor e recebe em troca o sermão de que precisa praticar exercícios todos os dias.
Mas será que eles seguem o que prescrevem para os outros? A gente elegeu três dos melhores especialistas de Curitiba para responder a essa pergunta. Mas ao invés de apenas perguntar, invadimos cozinhas, despensa, geladeira e até a lanchonete preferida de um deles para descobrir a resposta.
Invasão de geladeira
Sabe aquela história de que quando o gato sai de casa os ratos fazem a festa? Foi mais ou menos isso que aconteceu no Hospital Cardiológico Costantini. Aproveitamos o atraso do médico para olhar sua geladeira e descobrimos que ele é muito disciplinado.
Tinha gelatina, suco e iogurte – tudo sem açúcar. Para o almoço rápido, ali mesmo no hospital, dois pratos: um enorme, de salada, e um pires com filé de peixe. ?E vocês acham que eu teria autoridade para mandar o paciente mudar sua rotina se a minha não incluísse exercícios e comida saudável?? Provoca Costantino Costantini.
Ele diz que falta de tempo não é desculpa. O médico trabalha 14 horas por dia. Mesmo proibido de pedalar, tratando uma distensão muscular adquirida no futebol com os amigos, ele não abre mão dos exercícios. Faz musculação na academia que montou em casa e esbanja vitalidade. Tem 61 anos e mantém o mesmo peso – 86 quilos – há pelo menos 15 anos.
Foi esse exemplo que levou a neta mais velha a pedir ajuda. Ela se sentia gordinha e o avô – que reclama da passividade dos filhos – colocou a menina na dieta. ?Ela é um exemplo de força de vontade. Está fazendo exercício todo dia e parou de comer bobagem. Tá vendo, ninguém precisa infartar para descobrir hábitos saudáveis?. Detalhe: a menina só tem 8 anos.
Bolinho de carne só na sexta
Osni Moreira jura que é um gordo controlado. Está na média certa: 1,63 de altura para 76 quilos, mas vive de regime. Começou há 20 anos, antes de ser médico. Ele também tem tendência a diabetes. É pai de dois adolescentes e trabalha bastante, no consultório e na diretoria da Sociedade Paranaense de Cardiologia. Fatores de risco para doenças cardiovasculares que mantém sob controle com uma filosofia quase budista.
Ele explica por que as pessoas só mudam de vida quando tomam um susto grande, como infartar. ?Quando se descobre que é mortal é preciso fazer uma escolha. Ou relaxa e aceita essa condição ou passará o resto da vida negando, achando que a doença é uma punição e para piorar vai desafiá-la mantendo hábitos ruins.?
Segundo Moreira, aceitar a mortalidade é condição para gostar de si, ganhar mais saúde e, assim, viver feliz. Doença, segundo ele, é questão de tempo. Dieta, exercícios, vida saudável só se justifica quando o que se tem como objetivo é a felicidade.
?Ou vou infartar ou ter tumor ou um derrame. Se não, estarei entre os 7% da população que perdem a vida de forma violenta.? Moreira planeja viver até os 90 e aos 70 anos vai se aposentar. ?Eu me cuido para chegar lá, mas vivo no presente e sou feliz com as minhas escolhas. Se adoecer, vou me adaptar e continuar buscando ser feliz.?
Essa calma talvez explique por que ele topou nos levar à lanchonete onde escapa do regime. Nas sextas-feiras ele se permite um bolinho de carne. Nesse dia ele tomou o café com adoçante, posou para a foto, mas preferiu passar vontade. Adiou o prazer porque não era sexta-feira. ?Tudo na vida é questão de escolha. Eu já escolhi.?
Cintura fina é bom sinal
Da vigilância do cardiologista Mário Sérgio Júlio Cerci ninguém escapa. Até a recepcionista do Hospital do Coração, que não é sua paciente, está no regime. ?Nesses três anos eu já perdi 37 quilos e ele continua no meu pé?, conta Renata Benevide.
A secretária já ouviu tantas vezes ele dizer que gordura coloca em risco o coração que entendeu a mensagem e agora tenta imitá-lo, mas admite que não é fácil. ?O doutor não toca nos salgadinhos nas festas e se vai até a lanchonete é porque não almoçou e fica só no beirute, sem maionese.?
Sabendo disso a gente imaginou que a vingança seria a janta, feita em casa, longe da curiosidade alheia.
E, assim, flagramos a refeição.
Para começar: alface, tomate, couve-flor, morangos. Um prato de cada. Sinal de que pode comer à vontade.
Já o feijão e a carne assada estavam servidos no prato: duas colheres (não duas conchas) de feijão e um pedaço tamanho da palma da mão de carne. ?Não, isso não é regime. É dieta saudável. Não posso pedir aos meus pacientes coisas que eu não possa fazer também?, enfatiza Cerci.
Aos 54 anos, o médico é pai de uma menina, Mariana, de 4 anos, que o espera para provar frutas. É a diversão dos dois antes do jantar. ?Eu me cuido, ensino hábitos saudáveis e tento ajudar meus pacientes a mudarem de vida.?
Às vezes dá certo. Mas a técnica é de choque. Com a fita métrica na mão ele mede a barriga dos pacientes. Circunferência maior que 88 centímetros para mulher ou 102 para homem é fator de risco para doenças cardiovasculares. Aparece em vermelho na fita. O paciente se assusta e ele aproveita para fazer um convite: ?Que tal viver mais e melhor??.
Coração tem que bater
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Caminhar ou correr pelos parques |
Desde o princíio, quando ele começa a bater, ainda dentro do ventre materno, até o momento em que pára, o coração trabalha sem descanso. Bate cerca de dois bilhões e meio de vezes. É um órgão vital, reconhecido desde a antigüidade, quando se acreditava que ele era o centro da alma.
A ciência evoluiu esse conceito descobrindo que o coração é o órgão central da circulação. Um músculo oco cuja função é recolher o sangue proveniente das veias e lançá-lo nas artérias. Pesa menos de 300 gramas e está correndo risco. Alimentos gordurosos, com muito sal e açúcar, sedentarismo, fumo e stress são os principais culpados pelo desenvolvimento de doenças que têm parado corações.
As doenças cardiovasculares são responsáveis por cerca de 16,7 milhões de mortes no mundo a cada ano.
No Brasil, este ano, serão 400 mil vidas perdidas.
O País têm cerca de 38 milhões de pessoas com mais de 20 anos que vivem acima do peso. Desse total, mais de dez milhões são consideradas obesas, de acordo com os padrões estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
e pela Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO).
Dietas e exercícios podem aumentar a expectativa de vida das pessoas. Essa é a primeira informação que os cardiologistas oferecem. A segunda é uma pergunta: por que esperar um infarto para mudar?
Sal e açúcar, os vilões
Açúcar e sal já foram preciosidades restritas a cortes de reis e gente muito rica.
Era um tempo em que não se falava em cárie, gordura localizada, colesterol. Hoje, esses problemas ficaram tão populares como o combate ao abuso desses ingredientes.
Açúcar
Em pó ou invisível, nos bolos, balas, refrescos e doces, o açúcar refinado é apontado como uma das maiores causas de cárie, da obesidade, e da arteriosclerose. De fácil digestão ele cai rapidamente no sangue e libera um hormônio chamado insulina que transforma o açúcar em gordura.
Os naturistas afirmam que os povos primitivos, que comiam alimentos crus ou ligeiramente cozidos, não conheceram o diabete, a obesidade e a cárie. Para eles, o progresso trouxe o refino e, ao beneficiar o açúcar, a remoção de seus nutrientes.
Sal
O cloreto de sódio, ou sal, existe em todo corpo vivo e, junto com outros sais minerais, produz energia e reforça a resistência dos órgãos. Segundo a Organização Mundial de
Saúde nós precisamos em torno de 6 gramas por dia, mas consumimos muito mais e os rins às vezes não dão conta de eliminar o excesso.
As consequências do abuso do sal só foram conhecidas no início do século, quando se pesquisaram as causas dos edemas, da insuficiência cardíaca, da cirrose, e das doenças renais. Mais tarde comprovou-se que o sal agravava e, até mesmo, provocava a hipertensão arterial.
De mau a bom exemplo
Um dos recordistas em maratonas no Brasil, Gilberto da Silva, só começou a correr aos 44 anos. Motivação: infarto do miocárdio. ?Eu era o mau exemplo. Estava aposentado, tocava três empresas ao mesmo tempo e jogava futebol como desculpa para tomar cerveja.
Aí, num domingo à noite, enquanto eu trabalhava, passei mal?.
Ele não gosta de lembrar e inconscientemente coloca a mão no peito. Fala da dor.
A física diz que é horrível, muito forte. Mas a insuportável é a dor de perder a vida. ?Eu achei que ia morrer. Agradeci quando voltei da cirurgia e mudei de vida?, conta o maratonista.
Ele nunca mais fumou.
Não precisou mais dos 40 cigarros por dia para relaxar porque também parou de trabalhar 16 horas diárias.
?Meu padrão de vida caiu, mas eu queria era ter vida?, diz.
Aí, sobrou tempo para descobrir novos hobbyes. Pequenas viagens, almoços em família, horas de sono. A corrida entrou nessa categoria, diversão. Hoje, 8 anos depois, virou remédio, paixão, motivação. Gilberto da Silva participa de mais de 100 provas oficiais por ano no Brasil. Já conta 356 diferentes em 126 cidades.
É palestrante e adora exibir
o corpo atlético recém-conquistado. ?Quando eu conto a minha história sei que os pacientes já ouviram as dicas de dieta e exercício, mas em mim podem olhar os efeitos. Tenho 52 anos e muitos mais pela frente, porque decidi me cuidar?.
Frutas, hábito que faz bem
O hábito de comer mais frutas e vegetais e de fazer exercícios físicos pode aumentar a expectativa de vida de uma pessoa em até 12 anos, segundo um estudo feito pela Universidade de Cambridge, envolvendo 22 mil pessoas entre 45 e 79 anos.
A pesquisa está sendo usada como base para uma campanha de saúde do governo britânico intitulada ?Pequena Mudança, Grande Diferença?. O levantamento foi dirigido pela professora Kay-Tee Khaw, da Clínica de Gerontologia do Hospital Addenbrooke ligado à Universidade de Cambridge.
Anos a mais
Comer cinco porções de frutas ou vegetais ao dia ou fazer exercícios moderados, como uma caminhada após o almoço, podem aumentar a expectativa de vida em três ou quatro anos, segundo o estudo. Mudanças na rotina alimentar e física e abandono do hábito de fumar podem aumentar a expectativa de vida entre 11 e 12 anos.
Exercícios a mais
Profissionais de diferentes áreas necessitam de quantidades distintas de exercício físico. Quem trabalha em escritório precisa de uma hora a mais de atividade física. Uma cabeleireira e um vendedor de loja necessitam de 30 minutos. Já uma faxineira ou um operário de obra já fazem o suficiente em termos de exercícios físicos.
