Nacionalização do remédio do Mal de Chagas impulsiona desenvolvimento do Acre

A doação da patente do remédio Benzonidazole feita pela empresa farmacêutica Roche para o governo brasileiro representa um passo importante na política de desenvolvimento tecnológico do Norte do país. A fábrica para a produção nacional do medicamento mais eficaz no tratamento da Doença de Chagas será instalada no Acre e o governo estadual pretende, desta forma, aumentar sua participação no mercado brasileiro de exportação, especialmente para a América Latina, um dos mercados consumidores do produto. O ato de doação foi oficializado numa cerimônia na sede da empresa em Basel, na Suíça, nesta quarta-feira, 03 de abril, com a presença do Chefe da Divisão Farmacêutica da Roche, William M. Burns, do senador Tião Viana, representando o governo brasileiro, e do presidente da Roche Brasil, Ernst Egli.

Gilberto Siqueira, Secretário Estadual de Planejamento e Desenvolvimento Econômico Sustentável do Acre, acompanhou a cerimônia e explicou que o governo acreano “pretende iniciar uma nova fase de industrialização, gerando maior valor agregado à produção”. É na biodiversidade que o governo do Acre concentra sua linha de ação, aproveitando as matérias-primas existentes na região amazônica. Um dos projetos em andamento é a fabricação de preservativos masculinos, que utilizarão a borracha coletada na floresta. No contato com a matriz da Roche, os representantes brasileiros estão conhecendo a plataforma de pesquisa da empresa e sondando os interesses comuns. “Queremos ver como é possível utilizar os ativos da Amazônia em produtos farmacêuticos, alimentícios e outros, criando a Marca Acre”, resume o secretário.

Benzonidazole

Até a completa nacionalização do processo de produção do Benzonidazole está prevista uma fase de transição de seis meses, durante os quais a Roche dará suporte aos técnicos brasileiros, inclusive “abrindo as portas dos laboratórios de Basiléia, na Suíça, para que eles possam acompanhar os processos de produção”, revela o presidente da Roche Brasil, Ernst Egli. Ele garante que será dada toda a assessoria necessária nesse período de transição. “É um trabalho de parceria para a consolidação, viabilidade e implantação do laboratório no Acre”, complementa o senador Tião Viana, do PT, um dos articuladores do processo de negociação com a Roche.

O senador destaca que esta é a primeira vez que a Roche abre mão da propriedade intelectual de um produto e doa sua patente. “É um gesto de confiança da Roche em relação ao governo brasileiro e mostra a sensibilidade da empresa, que investe 10% do seu faturamento em pesquisa”, afirma Viana. Mais do que isso, “é um ato inédito que vai aumentar a utilização do remédio não apenas no Brasil, mas também na América Latina”, acrescenta Sérgio Timmermann, presidente da Comissão Interamericana de Cardiologia, que acompanhou a comitiva brasileira.

Os maiores beneficiários da produção nacional, segundo Viana, serão os consumidores finais, uma população que varia entre 5 e 7 milhões de casos crônicos no Brasil, concentrados no Centro-Oeste, Nordeste e Norte do país. “São 4 mil portadores agudos da doença no Brasil por mês e esse é o único medicamento que trata de forma eficaz a doença, podendo ser utilizado também por crianças.”

A comercialização do remédio será feita pelo governo do Acre, tanto no Brasil como para os demais países da América Latina. O acesso ao medicamento pelo público em geral será feito via Ministério da Saúde e governos estaduais, mas as bases dessa negociação serão discutidas apenas no retorno ao Brasil, depois que o Ministro da Saúde, Humberto Costa, ratificar a transferência da patente. “É como se a Roche estivesse devolvendo ao Brasil a origem do produto, pois foi Carlos Chagas que descobriu a doença, sua origem e transmissão, inclusive a terapia ser aplicada e apenas não conseguiu fechar o ciclo, o que agora aconteceu”, conclui Viana.

Roche x Brasil

O presidente da Roche Brasil, Ernst Egli, classifica a primeira doação de uma patente na história da empresa como “um teste para o mundo Roche farmacêutico” e confessa que está curioso para ver o desenvolvimento do processo. Egli argumenta que o governo local é o único que pode realizar campanhas para a erradicação de uma doença como o Mal de Chagas e o remédio é apenas um veículo. Ao doar para o governo brasileiro a patente do medicamento, a empresa entende estar dando a sua contribuição no processo. A proximidade entre as duas partes desenvolve, segundo Egli, “mais confiança e conhecimento de potencialidades”, o que pode trazer boas perspectivas para o futuro.

Um dos campos em aberto é a negociação sobre o remédio para o tratamento da Aids produzido e patenteado pela Roche. “Já baixamos o preço do medicamento em função do volume de compra do Brasil e dificilmente o país conseguiria produzir um similar a um custo mais baixo”, diz Egli. A empresa gostaria agora de se envolver também na parte diagnóstica do tratamento da doença, pois “a detecção precoce e o monitoramento dos doentes permite mudanças no tratamento na hora certa”. Segundo Egli, a última rodada de negociações sobre o tema, em fevereiro, foi concluída num clima de cordialidade e compreensão mútua. O aperfeiçoamento do processo de produção pode gerar uma diminuição nos custos, que poderia ser repassado aos consumidores finais, admite o presidente da Roche Brasil.

Em relação a novos investimentos, Egli é cauteloso. No momento, ele afirma que é necessário preencher a ociosidade de 40% na unidade instalada no país, o que deve ser alcançado com a produção para outros países da América Latina e mesmo para a Europa. O mercado brasileiro, que deveria representar pelo menos 5% do mercado latino-americano da empresa, hoje responde por apenas 2 a 3% do total, em função da desvalorização do Real e do congelamento dos preços. Nesse universo de recessão, o México desponta como o mercado mais importante da América Latina porque “manteve as regras do jogo e uma boa fórmula de preços”. Mesmo assim, Egli não descarta a possibilidade de novos investimentos, principalmente na área emergente da biotecnologia. Essa decisão, segundo ele, “depende do desenvolvimento do próprio Brasil e da melhoria das condições gerais do país”.

Também presente à cerimônia de doação da patente, o Ministro Conselheiro da Embaixada do Brasil em Bern, Flávio Macieira, destacou a importância desse ato para o futuro do tratamento de doenças endêmicas e infecciosas. “É um ato com um significado simbólico, que nos dá esperança no desenvolvimento da área de pesquisa no Brasil, com a presença de grandes empresas farmacêuticas”, afirma o ministro. Macieira acredita que a doação é um exemplo do relacionamento do novo governo com o setor internacional e vê perspectivas de crescimento nesse sentido. (Irene Zwetsch, de Basel, Suíça)

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