Morte súbita segue vitimando atletas de futebol

Até alguns anos, as mortes súbitas entre atletas de futebol profissional até passavam despercebidas. Um relato aqui, outro acolá. A partir de 2004 elas se tornaram mais freqüentes, principalmente porque são flagradas pelas câmeras de televisão. Desde então, o mundo assiste em seqüência (ao vivo ou por videoteipe) aos ataques sofridos em campo. O espanhol Antônio Puerta, atleta do Sevilha que disputa um dos mais badalados campeonatos do mundo, foi a última vítima de uma lista que inclui também o húngaro Miklos Fehér, do Benfica, o camaronês Marc-Vivian Foé e os brasileiros Serginho, do São Caetano e Cristiano, que jogava na Índia e faleceu devido a um ataque cardíaco após marcar dois gols.

Todos foram vítimas do que os médicos batizaram de morte súbita no exercício e no esporte (MSEE) – definida como ?a morte que ocorre de modo inesperado, de 6 a 24 horas após prática de uma atividade físico-desportiva?. O tema assusta os médicos, já que muitos destes atletas passaram por avaliações médicas e foram liberados para jogar futebol profissionalmente. ?Ou desconhecem o risco ou não acreditam que possam se tornar a próxima vítima?, adverte Nabil Gorayeb, do Instituto Dante Pazanezze de Cardiologia de São Paulo, um dos mais renomados especialistas em cardiologia desportiva.

Não é só no futebol que o risco de morte súbita existe. Perplexo, Gorayeb comenta que mais da metade dos 400 atletas que participaram dos Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro, avaliados por ele, nunca haviam passado por exames completos, só superficiais. ?O praticante de qualquer atividade esportiva de alto desempenho deve passar por uma investigação feita por profissional competente em cardiologia do esporte ou medicina esportiva?, alerta.

Trabalho pioneiro

Como esses episódios vêm se repetindo com maior freqüência, a Fifa estuda normas mais rígidas para a avaliação de atletas. Segundo o cardiologista Costantino Costantini, a incidência de doenças cardíacas não dá mostra de estar aumentando. O problema é que o nível de exigência física aos atletas está cada vez mais elevado, o que pode ser fatal para quem tem alguma doença no coração. O especialista lembra que a doença cardíaca sempre existiu. Só que agora é mais evidente, pois a informação chega imediatamente, via satélite. ?Por isso, é muito mais visível a morte de um atleta. Como são mais exigidos, se têm um problema cardíaco, este se faz mais evidente e, aí, o coração não agüenta e pára?, reconhece Costantini.

Segundo o médico, só há uma maneira de evitar os vários casos ocorridos recentemente: fazer o acompanhamento cardíaco de todos os atletas, com exames completos desde as categorias de base. Antecipando-se, até mesmo à Fifa, a Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte (SBME) e o departamento de cardiologia esportiva da Sociedade Brasileira de Cardiologia promoveram uma série de discussões no meio médico, debate concluído com a elaboração de uma diretriz, que presta esclarecimentos, tanto a profissionais da área da saúde quanto à população em geral, sobre a morte súbita no esporte e as avaliações necessárias aos atletas.

A normatização, que teve seu trabalho iniciado em Curitiba, coordenado pelo especialista em medicina esportiva Marcelo Leitão e pelo cardiologista Pedro Michelotto, tramita no Congresso Nacional, para ser transformada em Lei Federal. No documento, os especialistas fazem questão de reconhecer que a prática de atividades físicas é uma das ações mais eficientes para se obter melhoria nas condições de saúde da população. ?E por isso deve ser sempre estimulada?, recomenda Marcelo Leitão. Para tanto, o médico recomenda que uma avaliação pré-participação ?sistemática e periódica? nessas atividades seja a estratégia mais eficiente para se prevenir tais ocorrências. ?Essa avaliação deve ser realizada, por médico com experiência na área, em todos os indivíduos que praticam exercícios e esportes, em qualquer nível?, salienta.

Avaliação especializada

Dependendo das características do praticante avaliado, o médico deve solicitar ou não exames complementares. O especialista também ressalta que é importante esclarecer que, para pessoas saudáveis que praticam qualquer atividade física, seja para fins competitivos ou não e independentemente da intensidade, o risco de morte súbita é inexpressivo. Ao contrário, quem pratica exercícios regularmente apresenta menos riscos do que pessoas sedentárias.

O cardiologista Pedro Vicente Michelotto, um dos mais ferrenhos defensores das ?diretrizes?, explica que para praticantes de atividades físicas com idade inferior a 35 anos, as causas mais freqüentes de morte súbita são as chamadas cardiopatias congênitas, aquelas anomalias cardíacas que, apesar de nascerem com a pessoa, podem levar anos para se manifestar. ?Acima dessa idade, a causa mais freqüente é a doença arterial coronariana, ocasionada, principalmente, pelo entupimento das artérias que levam sangue ao coração?, esclarece.

No rol das doenças que podem levar à MSEE estão descritas a doença de Chagas, os diversos tipos de arritmias cardíacas e o uso de drogas ilícitas, como cocaína, anfetaminas e esteróides anabolizantes. Caso uma doença cardíaca não seja diagnosticada e algum jogador venha a sofrer um ataque em campo, também é possível salvar a sua vida. No entanto, Costantino Costantini avisa que é necessário gente treinada para fazer o atendimento. ?Não adianta ter um desfibrilador se não houver alguém que saiba usar?, alerta.

A diretriz

De acordo com as diretrizes da SBME, a avaliação pré-participação deve contemplar variações, conforme o nível de intensidade da atividade física a que a pessoa será submetida. Sempre deve ser atentado para as características da modalidade a ser praticada, a faixa etária e outras características individuais do praticante. Essas informações avaliadas cuidadosamente por meio de uma entrevista e avaliações físicas devem complementar a avaliação clínica para elevar o grau de confiabilidade na liberação das pessoas para a prática de exercícios e esporte. No caso de qualquer suspeição para situações de risco, os praticantes devem ser submetidos a exames complementares, obrigatórios, dependendo da avaliação de cada caso.

Para a SBME, a questão fundamental para se liberar as pessoas para práticas esportivas é a avaliação clínica, tanto pela facilidade com que é realizada quanto por seu custo, bastante acessível à população.

As diretrizes recomendam que esse tipo de avaliação deva ser estendido a todos os praticantes de atividades físicas, independentemente da idade, da condição socioeconômica ou da periodicidade com que a pessoa vai se dedicar à atividade. Para Marcelo Leitão, a forma mais eficaz de se prevenir a MSEE é criar o hábito de se realizar avaliações médicas periódicas (no mínimo, anualmente) e conhecer suas reais condições de saúde para a prática de qualquer tipo de atividade física.

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