A ressecção de tumores secundários no fígado é o único tratamento que pode oferecer a cura com chances de até 50%. Isso vale para pessoas que não tenham outra doença no fígado, como as cirroses, por exemplo. Quem afirma é o médico Ben-Hur Ferraz Neto, professor-titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da PUC-SP, especialista em cirurgias e transplantes de fígado, vias biliares e pâncreas e que já realizou mais de cem operações de ressecção tumoral no fígado.
Como se trata de uma intervenção relativamente longa (costuma durar cerca de cinco horas) – exigindo uma infra-estrutura hospitalar adequada e domínio técnico do cirurgião hepático -, algumas vezes, a conduta não é oferecida ao paciente. Uma dica válida aos portadores de tumores no fígado é que diante de uma opinião negativa sobre a possibilidade da realização da ressecção, ouçam uma segunda opinião médica. “Há, porém, casos onde a cirurgia realmente não se aplica”, pondera o médico, referindo-se aos pacientes portadores de cirrose.
Pacientes com tumores metastáticos no fígado, especialmente os que surgiram em decorrência de câncer no intestino ou cólon, também têm chance de cura. “Se não houver tumores em outras partes do corpo, a ressecção é a melhor alternativa, com chance de cura em 50% do casos”, explica Ben-Hur. “Nenhum outro tratamento para esses casos oferece chance de cura”, reforça.
Em relação aos tumores primários do fígado (aqueles que “nascem” em determinado órgão e não em decorrência da doença em outras partes do corpo), a ausência dos sintomas em sua fase inicial é o maior problema enfrentado pela Medicina. Normalmente, os nódulos em pessoas que não sofrem de outras complicações hepáticas são descobertos por acaso. “Os indícios só costumam ser notados pela pessoa quando a doença encontra-se em estágio avançado”, revela.
O hepatocarcinoma ou o carcinoma hepatocelular é o tumor primário maligno mais comum do fígado e um dos mais freqüentes na espécie humana. É muito comum entre as populações africanas, chinesas e do sudoeste asiático (mais de 20 casos por 100 mil habitantes). Na América Latina o índice é de 5 casos por 100 mil habitantes por ano.
Se por um lado, a descoberta precoce de tumores do fígado em pacientes sem outras doenças é rara, isso não ocorre nos portadores de cirrose. “Como as chances de surgirem tumores são mais expressivas nesses casos, os indivíduos com fígado cirrótico são submetidos a exames preventivos, como o alfafetoproteína, um marcador tumoral que indica a presença de células neoplásicas. Esses exames devem ser realizados periodicamente, em espaços de não mais que seis meses”.
Ao mesmo tempo em que há o lado positivo – representado pela segurança dos exames periódicos -, nem todos os portadores de cirrose hepática podem contar com a cirurgia de ressecção. “Na grande maioria das vezes, não é possível retirar o tumor cirurgicamente porque o fígado cirrótico não suporta esse tipo de operação”, explica o profissional. Em situações como essa, o transplante passa a ser o tratamento mais indicado, desde que “o tumor não tenha mais que cinco centímetros, seja o único existente ou esteja acompanhado de até três outros nódulos com no máximo 3 cm cada um”. Quando esse conjunto de fatores não permite o transplante, o caminho são os tratamentos paliativos, como a ablação por rádio-freqüência (destruição do tumor por hipertemia, o que eqüivale a “queimar” a formação maligna), que teve como um dos pioneiros no Brasil o dr. Ben-Hur Ferraz Neto, a embolização intra-arterial, a quimioembolização intra-arterial (que consiste na colocação de um catéter dentro da artéria que alimenta o tumor, através do qual são injetados quimioterápicos e um êmbolo que cessa a irrigação sangüínea do tumor), a quimoterapia clássica, entre outros.
A ciência atual é definitiva em relação ao poder que as hepatites B e C têm de desencadear o câncer no fígado. Segundo o Hospital do Câncer – AC Camargo, a possibilidade de desenvolvimento tumoral pode ser de 30 a 100 vezes maior nas pessoas infectadas cronicamente pelo vírus B. As cirroses alcoólica, auto-imune, biliar primária, hemocromatose e colangite esclerosante também representam um fator de risco a mais para a neoplasia hepática. É importante salientar que a cirrose não desencadeia o câncer, mas a probabilidade dele vir a se desenvolver. “Por isso, o acompanhamento clínico dos pacientes cirróticos é fundamental”.
Dos tumores benignos que podem surgir no fígado, o hemangioma é o mais comum. “Na grande maioria das vezes não é preciso qualquer tipo de intervenção”, esclarece o médico. “Um acompanhamento clínico a cada dois anos, nos casos de hemangiomas muito grandes, é o suficiente”. Mas nem todos os casos são iguais. Segundo o professor da PUC-SP, existem hemangiomas que precisam de cirurgia. “São aqueles que apresentam algum tipo de sintoma ou têm mais de 10 cm de diâmetro”. Os sintomas que podem aparecer são pouco específicos. “É preciso descartar qualquer condição que possa ser atribuída ao fígado, como uma gastrite, esofagite ou úlcera, por exemplo”, diz. “Tudo isso precisa estar afastado para que se possa afirmar que o mal-estar que o paciente sente é causado pelo hemangioma”.
Outro tumor benigno é o adenoma hepatocelular. “Este caso específico requer cirurgia”, afirma Ben-Hur. É um tipo de nódulo que costuma sangrar com muita freqüência e (não por isso) pode vir a se transformar em tumor maligno. A hiperplasia nodular focal também integra a lista dos tumores benignos mais freqüentes. “Quem apresente o tumor pode ficar tranqüilo”, diz o médico. “Não é preciso fazer nada, nem mesmo acompanhar com atenção especial”, resume. As manifestações benignas são mais freqüentes em mulheres com idade entre 30 e 50 anos.