O hábito de quebrar pela metade tentando alcançar a dose prescrita pelo médico foi colocado em xeque por um estudo realizado por farmacêuticos magistrais, ou de manipulação, como também são conhecidos. De acordo com os pesquisadores tal prática pode prejudicar o tratamento ou expor o paciente a uma superconcentração do remédio, deixando-o vulnerável a efeitos tóxicos. A pesquisa revelou a existência de grande variação de peso e teor de princípio ativo quando os comprimidos são partidos. ?No trabalho, pode-se ver que a partição de comprimidos mostra uma combinação de aspectos favoráveis e desfavoráveis, embora tenha sido feita sob condições rigorosamente controladas?, atesta Vanessa Pinheiro, uma das autoras do estudo que está entre os ganhadores do Prêmio Farmag (associação que representa o setor de manipulação) de 2006.
Prejuízos no tratamento
A conclusão serve de alerta para os médicos e pacientes: a partição do comprimido ao meio é prejudicial, especialmente se o produto for de liberação sustentada, ou seja, o remédio é liberado durante todo o dia no organismo ou se tem como objetivo atingir uma área específica, antes de se dissolver. Dessa forma, a quantidade ingerida não fica garantida, o que pode comprometer o tratamento e a saúde do paciente. ?Em certos casos, há uma linha tênue entre a perda do valor terapêutico e o risco de a pessoa sofrer uma intoxicação medicamentosa?, diz Terezinha Pinto, diretora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.
Segundo a diretora, a maioria dos comprimidos sulcados não se presta a uma divisão perfeita. Quando quebrado, além da falta de uniformidade, o remédio pode sofrer alterações no teor ou se degradar em substâncias que tenham toxicidade. A pesquisa sobre partição de comprimidos não analisou os efeitos das meias doses em pacientes. ?Não podemos precisar os males que essa prática causa, mas certamente há um prejuízo no tratamento?, enfatiza.
Características especiais
Jackson Rapkiewicz, responsável pelo CIM – Centro de Informação Sobre Medicamentos do Conselho Regional de Farmácia do Paraná, salienta que não existem estudos que desaprovem comprovadamente tal hábito, por isso não vê muitos prejuízos, ?desde que a quebra seja feita com a concordância do médico que prescreveu o medicamento e que a pessoa se preocupe em não perder nenhum ?farelo? durante a divisão.?
As indústrias, conforme seu conhecimento, procuram manter seu produto final com uma mistura uniforme e homogênea. Ele lembra, ainda, que alguns comprimidos são revestidos com o objetivo de impedir que o princípio ativo seja destruído pela acidez do estômago ou de permitir maior comodidade ao paciente por poder ser administrado apenas uma vez ao dia. Por possuírem essas características especiais, estes não devem ser quebrados, mastigados ou cortados sem a orientação adequada de um profissional da saúde, sob o risco de não se obter o resultado esperado do medicamento.
O trabalho premiado considera que uma das alternativas mais apropriadas para contornar o problema da divisão é recorrer ao setor de manipulação, capaz de aviar cápsulas contendo o medicamento na dosagem correta prescrita pelo médico. Tal procedimento é uma das vantagens da farmácia de manipulação e um dos principais aspectos que caracterizam o setor, ou seja, a personalização e individualização do tratamento.
Idosos e crianças
Em pacientes idosos ou crianças as preocupações devem ser redobradas. Isto é particularmente importante pelo fato de as crianças de zero a quatro anos serem a faixa etária que mais sofrem intoxicações por medicamentos no Brasil, atualmente. É preciso também ter muita atenção na administração de medicamentos a pessoas idosas, uma vez que muitos pacientes nesta faixa etária já não têm alguns órgãos importantes como os rins e o fígado trabalhando corretamente, o que dificulta a eliminação de muitos medicamentos.
Se comprimidos com doses menores não se encontram disponíveis no mercado, esses pacientes muitas vezes recorrem à divisão para conseguir a dose desejada. Além de obter, teoricamente, a quantidade prescrita, o paciente economiza dinheiro, o que torna a prática da divisão do comprimido um grande atrativo. Entretanto, a relação custo-benefício deve ser reavaliada, uma vez que durante o processo podem ocorrer perdas durante a partição e outros possíveis efeitos negativos relacionados à qualidade do medicamento a ser administrado.
Segundo os pesquisadores, o grau de irregularidade após a quebra de um comprimido pode estar relacionado a diferentes fatores, dentre eles, o tamanho, a forma e a presença ou a ausência de sulcos. Alguns, mesmo com a presença destes vincos, podem não se quebrar facilmente em duas partes de igual tamanho. Comprimidos que apresentam sulcos são usualmente considerados pelos fabricantes como destinados à divisão e muitos deles contêm vincos.