Matemáticos, engenheiros e computólogos acreditam que a mente pode ser reproduzida por programas de computador. A mente não seria dependente do cérebro. Isto significa que se poderia instalar mente e consciência em um computador do mesmo modo que nele é instalado qualquer programa por meio de um CD-Rom. Apareceria na tela um ícone que corresponderia à consciência. Ao clicá-lo, o computador estaria adquirindo mente e consciência.
Embora na década de 90, considerada a década do cérebro, a neurociência tenha evoluído a ponto de se tornar uma ciência da mente e embora tenham melhorado as relações da neurociência com outras ciências, como a ciência da computação, a psicologia e a filosofia da mente, começou uma discussão entre neurociência e ciência cognitiva. O centro das discussões é a réplica da inteligência tanto em computadores quanto em robôs. A filosofia da mente contemporânea, que se relaciona com a Inteligência Artificial, procura então saber se os estados cognitivos humanos poderiam ser duplicados por máquinas, pois essa é uma de suas teses. Uma outra tese afirma que os estados cognitivos humanos apenas podem ser simulados pelo computador.
Para João de Fernandes Teixeira (2000), se por um lado as pessoas não são máquinas e se suas atividades mentais não podem ser replicadas, por outro lado a neurociência não ensina que o cérebro seja necessariamente irreplicável. Ele afirma que no século XX o materialismo era o horizonte da ciência e da filosofia da mente, na tentativa de que uma única teoria, a Teoria da unificação, explicasse também a vida mental e a consciência.
Considera que não são necessárias teorias complexas para entender o comportamento humano, pois existe a folk psychology (psicologia popular) que exclui da esfera da mente os seres que têm comportamentos rígidos e inteiramente previsíveis e que usa o conceito de mente existente na forma primitiva da história da humanidade, transmitido de geração em geração. Essa psicologia é uma espécie de teoria habitual que todos os indivíduos têm para explicar o comportamento de outras pessoas.
O neurobiólogo e escritor Francisco Varela (1997), que investigou por 30 anos as características da vida, as bases biológicas do conhecimento e a linguagem, define a ciência cognitiva como o estudo da mente e do conhecimento em todas as suas expressões. Ela tem como principal característica a interdisciplinaridade, que reúne atualmente cinco disciplinas: neurociências, psicologia cognitiva, inteligência artificial, lingüística e filosofia. Sua primeira etapa, com início na década de 40, ficou conhecida como cibernética, palavra que significa arte do piloto, daquele que sabe conduzir. O segundo período, que surgiu em 1956, ficou conhecido como período computacional ou cognitivista e afirmava que as coisas percebidas no mundo pelas pessoas são representações. O cérebro passou a ser visto como um hardwarwe e as informações que ele processa como o software. O terceiro período, conexionista, teve como hipótese fundamental que a cognição ocorre por meio da dinâmica das redes de neurônios. Após esse modelo, Francisco Varela juntamente com Humberto Maturana compuseram a abordagem da atuação ou teoria enativa, quarto e atual período.
Humberto Mariotti (2000), médico e psicoterapeuta, pesquisador em ciências cognitivas, coordenador do Instituto de Estudos de Complexidade e Pensamento Sistêmico (IECPS, São Paulo), explica que, conforme a abordagem enativa, a cognição não consiste em representações que o cérebro do observador faz de um mundo que é predeterminado em relação a ele. Pelo contrário, o processo cognitivo é visto como construção dinâmica e por isso não se separa do processo de vida. Não se trata de estradas já abertas, mas de caminhos que o próprio caminhante constrói pela ação e interação com o mundo a cada momento. O pensamento único ou teoria da unificação, portanto, seria útil para manter o status quo, o atual estado das coisas, ou seja, a mcdonaldização social.
Na avaliação de Mariotti (2000), na prática isso significa que tudo está determinado. A experiência e a reflexão não têm valor, pois o mundo não é construído, mas imposto como um manual de instruções acabadas. As pessoas são quantificadas e padronizadas, tornadas máquinas de consumo e descarte pela ciência materialista. Na prática, ocorre a negação da reflexão. Ora, se esta é negada, de nada vale as experiências dos indivíduos. Também os gorilas as têm. Ocorre o neotaylorismo (taylorismo sofisticado), que coloca as pessoas em filas ou em série e oferece propostas de: exclusão dos sentimentos, pela padronização do paladar; exclusão de contexto, pois a padronização se impõe em todos os locais; exclusão dos fatores culturais, históricos e sociais, pois a comida é a mesma e iguais são os ritmos, a espacialidade, a temporalidade e a quantificação para que as pessoas façam as mesmas coisas no menor tempo possível e de modo repetido. São impedidas de refletir, pois tudo já vem pronto, com desejos prontamente atendidos, ou seja, envolve uma vida orientada somente pelo princípio do prazer e, portanto, alienada.
Pode-se resistir a esta padronização do mundo e da sociedade pela abordagem enativa da cognição que entende a construção do planeta efetuada pelos sujeitos da história, cada indivíduo, a partir da reflexão pessoal que valoriza a própria experiência, na singularidade da consciência.
Zélia Maria Bonamigo é Jornalista especialista em Mídia e Despertar da Consciência Crítica, Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. E-mail: zeliabonamigo@uol.com.br