É comum ouvir conselhos de que a leitura no banheiro ajuda a relaxar. Na verdade, a posição sentada, enquanto se aguarda o momento da evacuação, não é adequada, pois contribui com o surgimento de hemorróidas. O médico Renato A. Bonardi, chefe da Unidade de Coloproctologia do serviço de cirurgia geral do Hospital de Clínicas de Curitiba e professor adjunto do Departamento de Cirurgia da PUCPR e da UFPR, alerta para que “se evite o hábito de leitura no banheiro, pois pode desencadear a formação de hemorróidas pelo aumento de pressão sobre os vasos hemorroidários.” A presença delas com ou sem acompanhamento de sangue faz parte do conjunto de afecções anorretais que estiveram presentes na história da humanidade. Os hábitos da vida moderna contribuem com o aumento de sua importância. Calcula-se atualmente que mais da metade da população a partir dos 30 anos tem hemorróidas.
Retrospectiva. De acordo com Quilici e Reis Neto (2000), em 2750 a.C. a medicina egípcia se mostrava adiantada e utilizava narcóticos para a sedação cirúrgica. Especialistas já atuavam em diversas áreas. Dentre os especialistas de doenças anais, um era médico pessoal do Faraó e tinha o título de O guardião do ânus do Faraó. A história escrita da medicina egípcia começou em 3000 a.C., conforme os papiros antigos que copiavam ensinamentos contendo fórmulas médico-místicas de anotações mais remotas. Na Índia, nos livros sagrados do budismo, está registrado o nome do médico Jivaka, lembrado pelas operações que realizava e pelas menções ao tratamento de hemorróidas. Na Grécia, Hipócrates descreve o tratamento das dilatações de veias anais por meio de sangria no braço para conter o fluxo hemorrágico.
Mas foi na primeira escola de medicina conhecida no mundo, a da cidade de Alexandria ao norte do Egito, que surgiu, no século IV a.C., o manuscrito apresentado por Paulus Aegineta (502-575), conhecido como Aécio de Constantinopla, que descreve uma técnica operatória para doença hemorroidária completa. Na Idade Média, entre os anos 1000 e 1400, o nome de homorróidas se tornou deselegante e passou a se chamar mal de São Fiacro. No século XVI, as hemorróidas com hemorragias passaram a ter a indicação absoluta de cirurgia devido à anemia que acarretavam. Nos séculos XVII e XVIII foi difundido o uso de laxativos para o tratamento de fístulas anais.
Hemorróidas já acometeram grandes figuras da humanidade como Tibério, o imperador romano e o educador Lutero. Os estudos sobre a doença hemorroidária realizados pelo patologista e anatomista Giovanni Batista Morgagni (1682-1771) indicam que elas não existem em animais e relacionam a sua etiologia à posição vertical do homem associada à ausência de válvulas venosas na circulação retal e à predisposição hereditária. No século XIX começou o avanço da medicina moderna. O pioneiro da proctologia brasileira, em 1914, foi o pernambucano Raul Pitanga Santos, que clinicava no Rio de Janeiro.
Prevenção. Existem meios para a prevenção. O médico proctologista, Renato A. Bonardi, comenta que “as lesões anais são interpretadas pela população como hemorróidas, mas nem sempre representam hemorróidas. Quando se tem um sintoma, principalmente o sangramento, ele deve ser sistematicamente avaliado, porque lesões graves como o câncer do reto surgem primeiramente com uma lesão, ou seja, as lesões precursoras do câncer colo-retal podem se manifestar com sangramento. Além do sangramento, outros sintomas são comuns. Por exemplo, a presença de muco ou catarro nas fezes, a presença de secreção purulenta como fístulas, a sensação de evacuação incompleta ou a necessidade imperiosa de evacuar repetidamente. Fatores predisponentes e desencadeantes de hemorróidas ocorrem no período gestacional, por esforço e aumento de pressão, como resultado de fatores anatômicos, e na posição sentada por tempo prolongado no vaso sanitário.”
O paciente V. D. A., empresário que fez tratamento para se livrar de hemorróidas, acha que ficar muito tempo sentado diante de um computador poderia provocar o aparecimento dessas dilatações de veias anais, mas para o dr. Bonardi isso não é real. O que as provoca é a posição sentada no vaso sanitário, pois é como se um funil estivesse dentro de outro funil, facilitando seu aparecimento.
Dentre os cuidados higieno-dietéticos, o professor Bonardi destaca: a alimentação com fibras; a ingestão adequada de líquidos; a prática da não-leitura no banheiro no processo de evacuação; o uso adequado de papel higiênico que, se for de qualidade inferior, deve ser umedecido para não causar lesão à pele. Os lenços umedecidos são aconselhados no período de cicatrização de lesões cutâneas, mas podem ser utilizados diariamente. O papel higiênico industrializado colorido é mais agressivo à pele. O médico proctologista finaliza com a recomendação considerada o mais importante cuidado preventivo: todo e qualquer sangramento deve ser sistematicamente avaliado ou todo indivíduo que tem um sintoma deve procurar os profissionais da medicina.
Zélia Maria Bonamigo é jornalista, especialista em Mídia e Despertar da Consciência Crítica. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. E-mail:
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