O Hospital Nossa Senhora das Graças, de Curitiba, acaba de realizar seu primeiro transplante de fígado entre pacientes vivos. No último sábado, a paciente Marcela Portira Regiane, de 15 anos, recebeu parte do fígado de seu marido, Cristiano Romualdo Fernandes, 19, em um procedimento cirúrgico que durou nove horas e meia.
Segundo o cirurgião Júlio Coelho, duas equipes, compostas por quinze médicos, realizaram o transplante. Enquanto uma equipe retirava o fígado doente de Marcela, a outra retirava 60% do órgão saudável de Cristiano. “É um procedimento muito delicado, que representa riscos mínimos ao doador e grandes ao receptor”, explica o médico. Felizmente, a cirurgia de Marcela foi bem-sucedida.
Na maioria dos transplantes de fígado, o órgão é retirado de cadáveres. Porém, quem precisa de um transplante costuma ficar até três anos na fila para conseguir um órgão que lhe seja compatível. No Paraná, aguardam por um fígado aproximadamente 250 pessoas adultas. “No futuro, novas técnicas devem ser desenvolvidas e o transplante de fígado entre pessoas vivas pode representar uma esperança maior a quem está doente e aguarda na fila”, comenta a hepatologista Mônica Beatriz Parolin. Para ser doador, é preciso ter um fígado grande, estar em boas condições de saúde e ter o mesmo tipo sangüíneo do receptor.
Caso Marcela
Marcela não podia esperar. Com a saúde debilitada, ela precisava ser operada com urgência, caso contrário não conseguiria sobreviver. Foi então que seu marido Cristiano resolveu fazer a doação. “A Marcela começou a apresentar problemas de saúde aos nove meses de vida. Ela é vítima de uma doença que atinge o intestino grosso, que acabou afetando o fígado”, explica Júlio. A garota apresenta retardo no desenvolvimento físico, disfunções hormonais e outros problemas.
A recuperação da paciente tem surpreendido os médicos. Ela saiu da UTI 48 horas após o transplante, já está andando e logo poderá receber alta. Em breve, o pedaço de fígado que recebeu vai se regenerar e atingir um tamanho apropriado. O mesmo deve acontecer com o órgão de Cristiano. “O rapaz já recebeu alta e não precisa de cuidados especiais”, diz o cirurgião. Já Marcela terá de tomar alguns cuidados no começo. Ela vai para casa, mas precisará de medicação, que será reduzida ao longo do tempo, de máscara, para evitar infecções, e de alimentação balanceada.
As chances de sucesso de transplantes de fígados com doadores vivos são de 80%. Casos de rejeição são comuns, contudo podem facilmente ser controlados com medicação. A previsão é de que, entre seis meses e um ano, Marcela, que sempre conviveu com uma série de limitações, possa levar uma vida totalmente normal.
Em Curitiba, o transplante com doador vivo também é realizado no Hospital de Clínicas. O procedimento, todavia, é mais comum em crianças, que necessitam de uma parte menor do órgão a ser doado.
Transplantada se diz otimista
Cintia Végas
Já andando e com boa aparência, Marcela se mostra bastante otimista. Não vê a hora de poder levar uma vida normal. Ela conta que, antes da cirurgia, qualquer coisa que fizesse representava um grande esforço físico. Sentia falta de ar para andar e tinha dificuldades até para tomar banho sozinha. “Nunca me senti tão bem como me sinto agora”, comemora.
A adolescente admira a coragem do marido e incentiva as pessoas a se tornarem doadoras. “Não tenho palavras para agradecer o que o Cristiano fez por mim”, diz. “Acho que as pessoas deveriam se preocupar mais em serem doadoras de órgãos. Ninguém tem idéia do que sofre uma pessoa que precisa de um transplante.” O grande projeto de Marcela para o futuro é ter filhos, pois ao que tudo indica ela terá sua vida reprodutiva normalizada. “Quero ter três”, avisa.
Família
O pai da garota, o vendedor Walter Regiane, de 48 anos, acredita que o transplante não representa uma nova vida apenas para a filha, mas também para os familiares, que acompanharam e se angustiaram com o sofrimento da menina. “O maior problema que a Marcela enfrentou foi o preconceito de outras pessoas”, lembra o pai. Como é típico de quem tem problemas de fígado, ela sempre tinha os olhos bastante amarelados. Segundo o pai, isso fazia com que as pessoas se afastassem, com medo de que ela tivesse alguma doença contagiosa. “Agora, ela vai voltar a estudar e levará uma vida normal”, exalta.