O depoimento da apresentadora Ana Maria Braga, da Rede Globo, há alguns anos atrás, jogou por terra a premissa de que o câncer de colo de útero era doença de pobre, apesar de que nas regiões mais carentes a doença ainda apresente maior incidência. Em alto e bom som, a celebridade confirmou que o tumor fora causado pelo HPV, um vírus cujo contágio se dá quase exclusivamente por contato sexual. Ou seja, é uma doença sexualmente transmissível (DST) que afeta uma em cada quatro mulheres em idade sexual ativa.
?Basta apenas uma relação para se contrair o vírus?, avisa o professor de Toconoginecologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Newton Sérgio Carvalho, que coordenou um grupo que estudou a eficácia de uma vacina contra a doença, iniciado em 1997, em parceria com médicos do Canadá e Estados Unidos. Em 2007, essa nova arma na luta contra o câncer de colo de útero estará disponível no mercado. ?Os estudos indicaram uma eficácia de 91,6% contra a infecção incidente e de 100% contra infecções persistentes com HPV dos tipos 16 e 18?, comemora o médico.
Primeiro as pré-adolescentes
Os resultados do estudo foram apresentados aos médicos brasileiros em um encontro realizado no começo do mês no Rio de Janeiro, que contou com a presença de pesquisadores envolvidos no estudo. Para Margaret Stanley, cientista da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, a idade ideal para receber a vacina é antes da puberdade, antes que as meninas iniciem a vida sexual. ?A vacinação protege a pessoa contra uma infecção futura contra os tipos de alto risco de HPV que podem conduzir ao câncer?, explica, salientando que não é uma vacina contra o câncer em si mesmo.
O médico brasileiro Eduardo Franco, diretor da Divisão de Câncer e Epidemiologia da Universidade McGill, em Montreal, no Canadá, explica que depois de ser vacinada, a mulher deve continuar a realizar os exames de Papanicolau de rotina, já que a vacina previne somente contra os tipos dominantes do vírus. ?Eles são responsáveis por cerca de 70% dos casos de câncer de colo de útero?, enfatiza. O acompanhamento por exames pode detectar crescimentos anormais não importando qual tipo de HPV foi a causa do seu desenvolvimento.
Exames ginecológicos para todas
Uma importante preocupação com a saúde pública dá conta que, no Brasil, cerca de 80% das mulheres não fazem o Papanicolau, um descaso que, no entender dos especialistas, deve ser atacado de forma mais incisiva pelas autoridades de saúde. Com maior acesso aos exames ginecológicos, poderiam se verificar precocemente os indícios de infecção por papilomavírus humano e afastar o risco de morte pelo câncer. Hoje, testes sofisticados baseados na genética não só identificam o DNA do vírus como classificam seus subtipos.
Xavier Bosch, professor do Instituto Catalão de Oncologia, de Barcelona, na Espanha, salientou que, por enquanto, a vacina contra o HPV segue sendo efetiva por pelo menos quatro anos. ?É necessário uma investigação adicional para se saber o que acontece depois desse período?, comentou. Para isso, os pesquisadores devem continuar acompanhando as mulheres vacinadas por mais anos, a fim de obter informações sobre o tempo de proteção segura da vacina.
Cem tipos
Já foram identificados mais de cem tipos de HPV (papiloma vírus humano), entre eles 15 potenciais causadores de câncer de colo de útero. ?Trata-se da segunda doença maligna mais comum entre mulheres no mundo?, comenta Newton Sérgio de Carvalho. Estima-se que, mundialmente, cerca de 270 mil mulheres morrem por ano em decorrência de câncer de colo de útero e que 500 mil mulheres são infectadas pelo vírus HPV por ano.
AS VACINAS QUE VIRÃO POR AÍ
Dois laboratórios anunciam o lançamento de vacinas contra o HPV: o laboratório Merck Sharp & Dhome (MSD) e a Glaxo SmithKline (GSK). As pesquisas duraram vários anos e envolveram a participação de mais de 14 mil mulheres, entre 16 e 26 anos, em treze países, incluindo o Brasil. Os médicos acreditam que as vacinas mudarão o curso das contaminações pelo HPV, transformando o câncer de colo de útero numa doença relativamente rara.
A vacina criada pela MSD tem como alvo principal quatro subtipos do vírus. Com efeito, a imunização seria capaz de evitar o surgimento de 70% dos casos de câncer de colo de útero e 90% de casos de verrugas genitais. A vacina desenvolvida pela GSK age contra os subtipos 16 e 18, os maiores causadores do câncer, prevenindo mais de 90% dos casos de tumores malignos. A imunização prevê três aplicações ? a princípio, de quatro em quatro anos, período de segurança estabelecido pelos estudos feitos até o momento. Existe ainda a possibilidade de que, depois de concluídas, as pesquisas levem à conclusão de que doses iniciais garantem a imunização por toda a vida.
Sem HPV não tem câncer de colo de útero
* Existem 100 tipos diferentes de papiloma vírus (HPV).
* A doença, na sua forma oncogênica, é determinante para o surgimento de todos os casos de câncer de colo de útero, um dos três mais freqüentes na mulher.
* 30% da população sexualmente ativa tem papiloma vírus, mas somente 3% do total possui riscos de desenvolver lesões pré-malignas.
* A portadora do HPV pode permanecer durante anos sem apresentar lesões, mas mesmo assim transmitir a doença.
* Vítimas da aids e pessoas com pouca defesa do organismo estão mais propensas a contrair o vírus.
* As lesões mais freqüentes só podem ser visualizadas com o auxílio de um microscópio em exames de rotina, como o Papanicolau.
* A vacina está direcionada para as mulheres, pois o HPV se adapta a locais úmidos e quentes e em células em proliferação, como as do colo do útero.