Infância: Sem medo de se sujar

maissaude_crianca.jpg?Há evidências convincentes de que algumas epidemias alérgicas nas crianças do mundo desenvolvido são causadas em parte pela falta de exposição a elementos patogênicos?. A afirmação foi feita pelo pesquisador britânico John Richer, referência mundial em comportamento infantil, durante o Fórum de Desenvolvimento da Criança realizado em São Paulo. O encontro buscou identificar novos caminhos para o desenvolvimento infantil apontando os prejuízos de uma infância sem contatos com o ?mundo real?.

Conforme o especialista, alguns estudos evidenciam que a superproteção das crianças desde cedo – por meio do convívio em ambientes extremamente ?limpos? e dos organismos sistematicamente ?higienizados? pelo uso freqüente de antibióticos, gerou um aumento considerável no número de epidemias alérgicas no mundo. Hoje mais do que nunca, de acordo com o pesquisador, as crianças e adolescentes vivem confinados em espaços fechados (apartamentos, escolas, shoppings centers), perdendo o contato com a terra e a sujeira.

Sujeira da boa

?A verdade é que desenvolvemos mecanismos sofisticados para lidar com os elementos patogênicos que residem na sujeira?, garante Richer. Fato comprovado pela pediatra imunologista Ana Paula Castro, que confirma haver indícios de menor prevalência de alergia em locais que propiciam um contato maior com animais, principalmente na primeira infância. Ela explica que essa ?boa sujeira? acaba conduzindo a respostas do sistema imunológico que protege as pessoas contra as alergias.

Para o psiquiatra infantil Içami Tiba, autor de vários best sellers sobre o assunto, o mundo da criança de hoje é bastante diferente do mundo em que seus pais viveram. ?A criança perdeu o contato com a terra e com rua, devido, principalmente, a preocupação com a segurança física?, constata. De acordo com o especialista, se sujar faz parte do desenvolvimento infantil. O contato e manuseio da terra, areia e grama, traz informação sobre a textura desses elementos, contribuindo para a percepção do seu próprio corpo.

Nesse sentido, um tema muito debatido entre a comunidade médica mundial chama a atenção dos pais que se preocupam demais com a limpeza, um tipo de equívoco também comum quanto aos benefícios dos excessos de cuidados à saúde física e mental de seus filhos. ?Esse excesso, mesmo que inadvertidamente, pode estar prejudicando enormemente as crianças em seu período exploratório do mundo?, comenta Ana Paula Castro.

A pediatra também concorda que conviver com a sujeira enquanto se descobre, brinca ou pratica algum esporte faz parte da evolução da espécie humana. ?É saudável para o corpo e para a mente?, enfatiza. Só que para isso, conforme a médica, é preciso estabelecer um equilíbrio entre a correta prevenção de sujeira e doença. ?Sem procurar obssessivamente evitar a sujeira a ponto de prejudicar a atividade criativa e adaptativa da criança?, completa.

Adaptação e desafio

O homem é capaz de sobreviver e se reproduzir a mudanças ambientais muito rápidas. Temos uma enorme capacidade de aprendizagem. Durante nosso longo período de imaturidade, aprendemos sobre o mundo como ele é aqui e agora. A brincadeira é um dos muitos processos que ajudam nessa adaptação quase que instantânea. Nenhuma espécie brinca mais que o ser humano. Tudo porque o retorno dessa atividade, em termos de aprendizagem adaptativa e êxito na vida, é maior que o risco corrido. Mas a brincadeira precisa estar ligada ao mundo real da criança, e ela deve entrar em contato com esse mundo real para que haja aprendizagem útil. Isso pode incorrer em riscos, incluindo a necessidade de se sujar. A criança se preocupar demais em se manter limpa, por motivos próprios ou estimulada por um adulto, significa desvio de oportunidade de aprendizagem útil e redução das suas chances de êxito na vida. O contato com esse mundo real é necessário. O papel dos adultos não é eliminar todos os riscos e, sim, tentar, assegurar que a criança consiga lidar com eles. Situação que gera interesse e desafio.

O enviado de O Estado do Paraná participou do Fórum a convite do Instituto Unilever.

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