Crianças e adolescentes em todo o planeta vêm recorrendo a drogas cada vez mais cedo, contraindo aids devido ao uso de drogas injetáveis, tendo relações sexuais sem ligar a mínima para a probabilidade de contrair uma DST (doença sexualmente transmissível) e dando à luz filhos indesejados. Claro que, algumas vezes, o envolvimento de um indivíduo em situações que colocam em risco sua integridade física e mental é posto na conta da desinformação. Não se pode alegar, porém, que estudantes urbanos, bombardeados ininterruptamente por notícias sobre os temas acima, não estão cientes das possíveis conseqüências de seus atos. O problema, portanto, reside mais na falta de formação, não de informação – isto é, na incapacidade de entender ou refletir acerca das informações transmitidas, ouvir argumentações, construir uma opinião e agir positivamente na relação consigo mesmo, com o outro, com a comunidade.
Há quem diga que a conduta destrutiva nos jovens é estimulada por uma sociedade excludente, que poucas perspectivas oferece para o futuro. Será? A História nos lembra que a sociedade jamais foi justa; ética e respeito ao cidadão de qualquer idade nunca foram traços marcantes de civilização alguma; e o futuro, por uma razão ou outra, sempre inspirou pavor. Mas a juventude está mais vulnerável. Por quê? Por um lado, há o fenômeno da mídia, que incita ao consumo de estilos de ser e agir, que promete aceitação e ascensão do adolescente ao mundo adulto, no qual ele quer desesperadamente entrar. Por outro, há a facilitação do acesso às drogas e sua associação a um estado de prazer e poder frente a uma sociedade cada vez mais complexa, onde a sobrevida depende de um auto-aperfeiçoamento constante. Frágil diante de tantas exigências, ansioso para se inserir em um grupo que o apóie nesta transição, ele é presa fácil. E, quanto menores as chances de explorar seus talentos e discutir suas aflições, mas fácil será. Ilusão achar que um calhamaço de dados sobre sexo e drogas o farão dizer: ah, eu não sabia, então não faço mais isso.
A situação é alarmante. A idade em que se usa drogas pela primeira vez baixou na mesma proporção que o acesso a informações aumentou. O consumo de álcool já se inicia aos 11 anos, de tabaco aos 12, de maconha aos 13 e, pouco mais tarde, de cocaína, crack e drogas injetáveis que, segundo o Ministério da Saúde, são a causa de 22% dos casos de aids no País desde 1980 (cerca de 180 mil). De 19 mil jovens infectados com o HIV, mais de 35% usavam drogas injetáveis, e 40% das meninas infectadas contraíram o vírus em relações com usuários (duas em três adolescentes dispensam preservativos).
Já o Censo 2000 mostrou que o número de adolescentes que engravidam aumentou. Foi a única faixa etária, aliás, em que ocorreu aumento da taxa de fecundidade: de 8,7% para 9,1% entre mulheres de 15 a 19 anos, na última década. Em 2001, 25% dos partos da rede pública de saúde foi de adolescentes (e 50 mil curetagens pós-aborto). Mais? Uma brasileira entre 10 e 14 anos dá à luz a cada 15 minutos e dos 2,7 milhões de partos do SUS, ano passado, 1,3% foram em mães dessa faixa (em 93, eram 0,93%). Ao todo, 700 mil meninas têm filhos anualmente em um país onde dois terços de adolescentes pertencem às classes baixas e uma em quatro crianças vive em miséria absoluta.
A idade do primeiro encontro sexual caiu. A Unesco ouviu 16 mil estudantes de 11 a 24 anos em quatorze capitais e constatou que a idade da primeira relação baixou de 19 para 15 anos entre meninas e 16 para 14 entre meninos. A maioria se inicia no sexo sem se precaver contra as DSTs.
O descaso com a segurança sexual é um problema planetário. Segundo a Unaids, 100 milhões de pessoas, por dia, têm relações que resultam em 350 mil novos casos de DST, as quais potencializam em até 18 vezes o risco de infecção pelo HIV: 40% das infecções ocorrem em mulheres, especialmente entre 15 e 25 anos. Cerca de 11 milhões de jovens de 11 a 24 anos de ambos os sexos são portadores do HIV e, a cada minuto, mais seis contraem o vírus. Em 2020, serão 40 milhões de adolescentes doentes. Até lá, terão ocorrido 70 milhões de mortes por aids. E a epidemia nem atingiu seu pico.
Quanto ao consumo de drogas entre menores, representa um desafio também para o Primeiro Mundo, segundo o Observatório Europeu da Droga e da Tóxico-dependência, que usa dados enviados por escolas de trinta países. As drogas ilícitas mais difundidas são a maconha e as anfetaminas, seguidas por cocaína e ecstasy. Nos Estados Unidos, o Nida (National Institute on Drug Abuse), que faz levantamentos regulares nas vinte maiores cidades do país, registrou aumento do uso de cocaína em dez delas entre 1998 e 1999; de heroína em sete; de maconha em quase todas. O uso de drogas entre 12 a 17 anos cresceu 78% entre 1992 e 1995.
Aqui, vale destacar a pesquisa realizada pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (SP) em uma escola pública de ensino médio da zona oeste paulista – amostra do que ocorre nas grandes cidades. De 689 alunos entre 14 e 21 anos, de classe média ou baixa, 85% já usaram drogas (incluindo tabaco e álcool), tendo sido constatada forte associação entre drogas, iniciação sexual precoce e comportamento de risco; e 53% declararam ter usado drogas ilícitas (maconha em primeiro lugar, cocaína em quarto).
Mera repressão não resolve situações desse tipo. Sempre que uma droga some do “mercado”, outra entra em seu lugar. Falar de seus efeitos nocivos não basta, pois é típico do jovem não crer que o pior vai acontecer. O que adianta é trabalhar pela sua socialização e fazer com que tenha percepção e confiança em seu potencial, fortalecendo-o de tal forma que ele encontrará, sozinho, mil motivos para não se vitimar e não fugir desta sociedade injusta.
Na escola que, independente da classe social dos alunos, tantas vezes substitui a família, professores devem estar preparados para liderar este trabalho, desde a pré-escola: estimulando atividades culturais, esportivas e de lazer que dêem aos alunos a oportunidade de destacar-se por seus talentos e agir solidariamente; incentivando-os a expressar problemas pessoais; discutindo assuntos atuais. Além de viverem o “êxtase” (que as drogas não substituem) de revelarem seus dons, eles se sentirão integrados e se saberão ouvidos. Não há prazer maior.
Não se concebe que uma escola, hoje, não saiba que postura adotar quando as drogas, a aids ou uma gravidez ofuscam a Matemática e o Português. Trata-se de uma realidade reconhecida pelo Ministério da Educação, que lançou, nas diretrizes curriculares para o ensino fundamental e médio, os temas transversais – a serem abordados no âmbito de qualquer disciplina a fim de promover a educação integral do indivíduo. Resta proporcionar aos estabelecimentos infra-estrutura para que isso se faça de forma efetiva.
O sucesso não é garantido. Por razões que independem da educação escolar, muitos jovens continuarão assumindo comportamentos de risco. Outros, porém, responderão positivamente. A ansiedade de fuga ou afirmação, via drogas e relações sexuais imaturas, diminuirá, como provam tantas ações isoladas pelas escolas do País. Se todas tivessem condições (pessoal capacitado, recursos e segurança) de fazer sua parte, as estatísticas seriam um pouquinho menos assustadoras. E qualquer resultado é altamente significativo em um universo de mais de 52 milhões de crianças e adolescentes.
Magno de Aguiar Maranhão
é presidente da Associação Nacional dos Conselhos Universitários – Anaceu, e conselheiro do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro. E-mail: magnomaranhao@globo.com.