Algumas pessoas têm o seu hábito intestinal regular, mas para outras a história é bem diferente: ora apresentam prisão de ventre, ora diarréia. Sentem também um desconforto abdominal, às vezes dor no abdome, que pode chegar a ser intensa, quase sempre aliviados com a evacuação. Gases provocam distensão abdominal e flatulência. Fezes variando de duras ou encaroçadas a amolecidas ou aquosas, além de sensação de evacuação incompleta também podem compor o quadro da Síndrome do Intestino Irritável, uma disfunção intestinal que afeta milhões de pessoas no mundo todo. Porém, essa síndrome ainda é mal compreendida, imprecisamente diagnosticada e, portanto, quase sempre tratada de forma inadequada. Aproximadamente de 10% a 15% da população ocidental sofrem desse mal, com predomínio das mulheres. Embora somente 30% dos pacientes procurem assistência médica, a doença é responsável por aproximadamente 12% das consultas de assistência primária e 28% das consultas aos gastroenterologistas. Segundo estudo publicado na revista Gastroenterology, 71,4% dos pacientes tiveram alívio dos sintomas da Síndrome do Intestino Irritável após o uso da fibra sintética policarbofila cálcica.
A doença já foi conhecida como indigestão, diarréia nervosa, colite espástica, colite nervosa e neurose intestinal. Não é difícil pressupor que a dor e o desconforto típicos da Síndrome do Intestino Irritável afetem diretamente as atividades diárias do paciente, prejudicando sua qualidade de vida, seu rendimento escolar, sua produtividade no trabalho e até seus relacionamentos pessoais. Há períodos de melhora, mas a síndrome também pode persistir por meses ou anos. O tempo para se perceber os sintomas e se chegar a um diagnóstico adequado pode ser de até três anos. ?Atribui-se essa demora ao fato de os sintomas não serem considerados como relevantes pelo paciente, ou mesmo pelo profissional, como uma condição clínica séria passível de tratamento?, afirma a Dra. Maria do Carmo Friche Passos, gastroenterologista, professora adjunta e doutora do departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG.
A movimentação (ou motilidade) intestinal ocorre pela contração dos músculos intestinais, controlada por hormônios e estímulos elétricos. A doença se manifesta justamente quando há uma falha na regulação dessa motilidade no intestino. ?É fundamental salientar que a Síndrome do Intestino Irritável é um distúrbio médico real, não uma reação nervosa imaginária ao estresse e à sobrecarga psicológica cotidiana?, ressalta a médica.
A medicina atual ainda não foi capaz de estabelecer com precisão as causas e os mecanismos da doença, mas acredita-se que sejam multifatoriais. ?A diversidade das manifestações clínicas apresentadas pelos pacientes torna pouco provável que um único mecanismo seja o responsável pela síndrome e, provavelmente, estão implicados transtornos da função intestinal, juntamente com a percepção anormal de fenômenos normais. Alterações na motilidade gastrintestinal e na percepção visceral, bem como fatores psicossociais, contribuem para a expressão dos sintomas em geral?, explica a médica. Fatores como dietas pobres em fibras ou em alimentos que causam gases, excesso de álcool e de gorduras, além de uso de certos medicamentos, interferem na motilidade e na sensibilidade gastrintestinal. Outros hábitos, como comer muito depressa, mascar chicletes, fumar e respirar pela boca também podem levar ao acúmulo de gases, eructações (arrotos) e flatulência, já que dessa forma engolem-se grandes quantidades de ar. Alguns estudos revelam alta incidência de ansiedade, depressão e tensão emocional entre os pacientes com a doença, mas tais fatores possuem relevância clínica limitada.
Os critérios de Roma II, estabelecidos por um grupo internacional de especialistas, são os mais utilizados para se diagnosticar a Síndrome do Intestino Irritável. De acordo com esses critérios, a doença se caracteriza pela presença de dor ou desconforto abdominal, contínuos ou recorrentes, com no mínimo doze semanas de evolução, não necessariamente consecutivas, nos últimos doze meses, associados a pelo menos dois dos seguintes sintomas: dor aliviada com evacuação, mudança de ritmo nas evacuações e na consistência das fezes. Reforçam o diagnóstico: diarréia, constipação e/ou alternância deles, urgência evacuatória, sensação de evacuação incompleta, muco nas fezes e distensão abdominal e/ou flatulência.
Conforme explica a Dra. Maria do Carmo, o tratamento medicamentoso da Síndrome do Intestino Irritável visa aliviar o sintoma predominante. Pode-se empregar antiespasmódicos e relaxantes musculares, para alívio da dor, antidiarréicos, para predominância de diarréia, e agentes laxativos formadores de bolo fecal ou osmóticos. A Libbs Farmacêutica possui como alternativa de tratamento a policarbofila cálcica, uma fibra sintética capaz de aliviar tanto a constipação quanto a diarréia. Segundo estudo publicado por A. Torii, na Internal Medicine, a policarbofila cálcica pode ser indicada no tratamento da Síndrome do Intestino Irritável em todas as suas formas. Abordagens psicológicas têm sido utilizadas com certa freqüência como recurso auxiliar no tratamento da doença. ?Conscientizar o paciente de que se trata de um distúrbio funcional, sem conseqüências mais graves nem risco de vida, assegurando-lhe que o problema será tratado de forma interessada e racional, tranqüiliza o paciente e auxilia a evolução do tratamento?, aponta o Dra. Maria do Carmo. É importante ressaltar que somente um médico tem condições de diagnosticar e recomendar o tratamento mais adequado para a Síndrome do Intestino Irritável.
A especialista alerta, ainda, que para aliviar os sintomas com predomínio de constipação não se deve fazer uso indiscriminado de laxantes, principalmente os irritantes. ?Laxantes irritantes, mesmo os chás de plantas tidos como inofensivos, obrigam o paciente a recorrer a eles em quantidades cada vez maiores, o que a agrava ainda mais o quadro?, declara Dra. Maria do Carmo.