Falta de informação aumenta fatalidade da febre maculosa

Nos últimos seis meses, oito moradores do noroeste do Espírito Santo morreram infectados pela febre maculosa brasileira, zoonose causada por bactérias do gênero Rickettsia e transmitida através da picada de carrapatos do gênero Amblyomma. Vítimas da falta de informação da comunidade médica, eles poderiam ter sobrevivido se o diagnóstico correto tivesse feito a tempo. A doença tem tratamento simples e barato e não é fatal se identificada nos primeiros dias. Entretanto, pode se agravar com a demora na aplicação do tratamento correto, chegando ao perigoso índice de 80% de letalidade.

Segundo a pesquisadora do Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses (LHR) do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Elba Sampaio de Lemos, o diagnóstico é dificultado porque a doença pode ser confundida com uma série de outras infecções, como dengue, pneumonia, leptospirose, hepatite, apendicite e, principalmente, meningite meningocócica. Seus sintomas – febre, dores de cabeça e manchas no corpo – são comuns a várias enfermidades. “O grande problema é a falta de conhecimento pelos médicos”, diz a pesquisadora.

Algumas características da Rickettsia a tornam ainda mais difícil de detectar. A bactéria é um parasito intracelular obrigatório que se multiplica nas células das paredes dos vasos sanguíneos. Como a resposta de anticorpos não é imediata, o teste laboratorial é considerado retrospectivo. Assim, o tratamento deve ser iniciado antes dos resultados sorológicos.

“Se o paciente apresentar febre, dores de cabeça e manchas pelo corpo após o contato com vetores da doença, o médico deve coletar sangue para o teste e iniciar imediatamente o tratamento com antibióticos capazes de agir contra a Rickettsia”, alerta Elba. Ela explica que a bactéria é transmitida ao ser humano por meio da secreção salivar do carrapato adulto ou do “micuim” (espécime jovem). Parasitos comuns em cães e eqüinos abandonados, eles podem atacar o homem pelo contato com animais ou com a vegetação usada como abrigo temporário.

Desde o ano passado, a febre maculosa passou a ser uma doença de notificação obrigatória para o Ministério da Saúde e o LHR estabeleceu-se como serviço de referência nacional. Sob coordenação de Elba, são feitas mensalmente cerca de 600 análises laboratoriais na tentativa de identificar novas ocorrências. Segundo ela, o Sudeste é a região mais atingida, embora os dados ainda sejam imprecisos devido à precária notificação oficial. No Estado do Rio de Janeiro já foram identificados casos em Piraí, Miguel Pereira, Barra do Piraí, Duque de Caxias e na capital.

Um dos estudos executados, realizado por Tatiana Rozental, avaliou um surto da enfermidade em Barra do Piraí, no sul fluminense, onde ocorreram dois óbitos confirmados e cinco prováveis mortes causadas pela febre maculosa na última década. Na pesquisa, foi identificada na região a presença de vetores da Rickettsia rickettsii, o que indica a possibilidade de aparição de novos casos.

“Entretanto, a febre maculosa não tem um efeito quantitativo grande, como a dengue e a meningite, que podem acometer centenas ou milhares de pessoas. Seu efeito é qualitativo, já que é fatal na ausência do tratamento adequado”, explica Elba. Além dos testes, a equipe do laboratório informa, orienta e esclarece a população em geral, e treina equipes de saúde para o reconhecimento de novos casos.

Doença é mais comum entre junho e outubro

Um estudo coordenado pela pesquisadora mostrou que o número de casos de febre maculosa aumenta entre os meses de junho e outubro, período em que se concentram as formas mais jovens dos carrapatos, conhecidas como “micuins”. A pesquisa analisou todos os casos da doença notificados nas décadas de 70, 80 e 90 em regiões endêmicas.

“O problema é que, por serem muito pequenos, os ‘micuins’ passam despercebidos pelos doentes, que nem chegam a comentar com o médico o ataque. Isso dificulta ainda mais o diagnóstico”, afirma Elba, lembrando que, depois dos mosquitos, os carrapatos são os maiores vetores de doenças.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo