Estudado uso antecipado da insulina em diabetes

São Paulo – A utilização da insulina para o tratamento do diabetes normalmente acontece num estado mais avançado da doença, quando a glicemia (nível de açúcar no sangue) não consegue mais ser controlada apenas com medicação oral. Entretanto, durante o 12.º Congresso da Associação Latino-Americano de Diabetes (Alad), que aconteceu na última semana em São Paulo, foi discutida a introdução da insulina mais cedo no tratamento.

Segundo os pesquisadores, a utilização da insulina é capaz de controlar com mais segurança os níveis de glicemia no sangue. Com isso, diminuem os riscos das complicações do diabetes. A maioria delas é vascular, como retinoplastia (obstrução dos microvasos sangüíneos do olho), derrame vascular cerebral, infarto do coração e a necessidade de amputação de órgãos. A utilização antecipada da insulina faria com que fosse criada uma espécie de reserva de células beta no pâncreas. Essas células são as responsáveis diretas pela produção da insulina, que controla o nível de açúcar no sangue. Com a evolução da doença, elas vão morrendo. A introdução antecipada da insulina faria com que elas sobrevivessem, mantendo o pâncreas funcionando, produzindo insulina, mesmo que pouca. Conforme Julio Rosenstock, professor da Universidade do Texas, já existem estudos até propondo que a insulina seja colocada no tratamento logo que o paciente descobrir que tem a doença. “Em cinco anos, talvez estejamos discutindo isso”, afirmou. Em média, o paciente já convive com o diabetes há doze anos, quando descobre que tem a doença. Em muitos casos, o paciente já pode inclusive ter algumas complicações motivadas pelo diabetes.

Glargina

A insulina glargina, cujo efeito leva 24 horas no organismo, é uma das principais inovações do tratamento do diabetes, facilitando inclusive esse novo paradigma de tratamento, que pede a introdução da insulina num estágio mais cedo. Conforme o presidente da Alad, Antônio Roberto Chacra, a grande vantagem da insulina glargina, em relação à NPH (convencionalmente usada há mais tempo) é que com a glargina caem significativamente os riscos de hipoglicemia (redução exagerada do nível de açúcar no sangue) noturna. “A insulina NPH possui picos de atuação, onde o risco de hipoglicemia é maior. Já a glargina não possui esse picos”, explicou. A hipoglicemia é um dos grandes inibidores do tratamento com insulina, por isso tanto pacientes como médicos são muitas vezes receosos em indicar a insulina por temerem esse problema. Daí é costumeira a indicação da insulina apenas em último caso.

O coordenador médico do Núcleo de Terapia Celular e Molecular da Universidade de São Paulo (USP), Freddy Goldberg Eliaschewitz, apresentou estudos que comprovam a redução do risco de hipoglicemia. “Tanto a insulina basal (NPH) quanto a glargina, casadas ou não com medicamentos orais, conseguem controlar os níveis de açúcar em percentuais parecidos. Mas com a glargina, o risco de hipoglicemia caiu entre 44% e 48%”, explicou.

Visitas ao médico podem ser esparsas

Um estudo com 5 mil pacientes de 69 países apresentou uma outra nova tendência do tratamento do diabetes. Foi comprovado que havendo menos risco de hipoglicemia, o próprio paciente pode aumentar ou reduzir a quantidade diária de insulina a ser aplicada, podendo aumentar o espaço de tempo entre as visitas ao médico. Os resultados quanto à redução do açúcar no sangue foram praticamente iguais em pacientes que fizeram isso sozinhos, apenas com uma orientação do médico, e naqueles que só mudavam a quantidade de insulina a ser aplicada após uma consulta médica.

A maior previsibilidade do tratamento com a insulina glargina é comemorada pelos especialistas. Assim como o fato de o risco de hipoglicemia ser bem menor. Isso é que possibilitará maior interatividade no tratamento. “Hoje não existem especialistas em diabetes suficientes. Por isso, é importante que nossos colegas clínicos gerais também saibam esse novos paradigmas de tratamento da doença”, salientou o presidente da Alad, Antônio Roberto Chacra.

O professor da Universidade do Texas, Julio Rosenstock, salientou que esse tipo de tratamento onde a presença do médico é menos participativa é importante em países em desenvolvimento, onde uma consulta no sistema público de saúde pode demorar muito tempo a ser marcada. “O paciente só muda a quantidade de insulina com orientação do médico. Às vezes, ele não está conseguindo controlar a glicemia e não aumenta a quantidade de insulina por ter que consultar o médico. Como demora muito tempo entre uma consulta e outra, o paciente acaba saindo prejudicado”, revelou.

Hemoglobina glicosada

A tendência do tratamento é utilizar a média de açúcar no sangue durante os últimos três meses para saber se o paciente está com diabetes. “É costumeiro dizer que a glicose no sangue deve ser menos de 100mg por litro. Entretanto, essa quantidade varia durante o dia, durante as refeições sobe naturalmente e depois reduz quando o organismo produz insulina. Agora estamos medindo a hemoglobina glicosada (A1C), ou seja, a quantidade de glicose grudada na hemoglobina”, revelou o coordenador do Núcleo de Terapia Celular e Molecular da USP, Freddy Goldberg Eliaschewitz. Ele destacou que hoje o ideal é que a A1C seja mantida inferior a 7%.

Estudos mostram que a cada 1% de A1C reduzido, o paciente tem menos 21% de chances de morte, menos 14% de chances de ataque cardíaco e menos 43% de chances de sofrer amputações de membros. (LM)

Existem 151 milhões de diabéticos em todo mundo

Diabetes é o conjunto de doenças em que o organismo perde a capacidade de regular os níveis de glicose. São 58 doenças responsáveis pelo diabetes. Entretanto, apenas dois tipos causam 95% dos casos. O tipo 1 responde por 5% dos casos mundiais. Ele se caracteriza pela suscetibilidade genética causando a morte das células beta, responsáveis pela produção da insulina. Nesse caso o tratamento só pode ser feito com aplicação da insulina desde o início.

O segundo caso, e mais preocupante, é o tipo 2. Nele é encontrada resistência à atuação da insulina e a insuficiência secretora de células beta. Os especialistas consideram a diabetes do tipo 2 uma epidemia mundial. Atualmente existem 151 milhões de diabéticos no mundo. A estimativa é que em 2030 esse número chegue a 366 milhões. “Essa epidemia também se deve ao problema da obesidade. As células adiposas inibem a insulina. Por isso, nos tratamentos sempre é recomendada a prática de exercício físico”, destacou o coordenador médico do Núcleo de Terapia Celular e Molecular da USP, Freddy Goldberg Eliaschewitz.

Hoje no Brasil, 7,6% da população tem diabetes, mas 46,5% desconhecem a doença, segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes. Dos outros 53,5% que sabem da doença, 22,3% estão sem tratamento. Cerca 65% daqueles que têm o tratamento não estão sendo tratados de forma eficiente.

O especialista destacou que as políticas públicas de saúde devem se voltar ao problema do diabetes. “É muito mais barato tratar o diabetes antes, do que ter que gastar com suas complicações posteriormente”, alertou, lembrando que os Estados Unidos gastam US$ 132 bilhões em 2002 para tratar do diabetes e suas complicações. Em 1987 esse investimento era de US$ 20 bilhões. A grande maioria desses recursos é investido nas complicações. (LM)

Acompanhamento de profissionais é importante

Além do tratamento convencional, um acompanhamento multidisciplinar é importante para que o paciente saiba controlar o diabetes. A coordenadora do Grupo de Diabetes do Hospital Santa Amália-SP, Luciele Costa, destacou que ser diabético não é simples, daí a necessidade do acompanhamento de profissionais como nutricionista, enfermeiro e psicólogo, por exemplo. Entre os erros mais comuns encontrados por ela está o armazenamento incorreto da insulina. “Têm pessoas que chegam a congelar no freezer”, revelou, lembrando que esse procedimento é equivocado. Outro erro costumeiro é a reutilização do material. “A aplicação da insulina é como a de uma injeção comum. O material é descartável”, lembrou.

A professora T. N., 56 anos, descobriu no ano passado que tinha diabetes. Antes de receber o tratamento multidisciplinar, passou a comer apenas arroz integral e verduras cozidas. Chegou a passar mal na rua e só aí procurou um tratamento adequado. Ela lembrou que existem muitas lendas sobre o diabetes e principalmente sobre insulina. “As pessoas dizem que quando o diabético tem que tomar insulina, está perto da morte. No interior as pessoas pensam assim, meus parentes me abraçavam com aquele ar de despedida, imaginando que em breve eu iria morrer. Mas não é nada disso”, contou.

Hoje, T. K. faz caminhadas e tem uma vida completamente normal, apenas tendo que utilizar a insulina e controlar sua alimentação. “Estou comendo melhor hoje do que comia antes de saber do diabetes. Como sou professora e universitária, nunca comia bem, sempre correndo e coisas que não fazem bem, como frituras, por exemplo”, destacou. (LM)

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