Só em falar no assunto, a polêmica paira no ar: quem é egoísta tem dificuldade em admitir ou prefere ficar calado, com medo das críticas. E quem se opõe a esse tipo de comportamento não perde a chance de criticá-lo. “Há uma idéia de que o egoísta sempre age em benefício próprio, mesmo que isso possa prejudicar alguém”, afirma o psiquiatra Geraldo Possendoro, especialista em medicina comportamental. “Portanto, quem critica uma pessoa egoísta também está agindo em causa própria, com receio de que venha a sofrer os efeitos do egoísmo do outro”.
Os especialistas ainda não sabem dizer se pensar demais em si mesmo é uma característica natural dos seres humanos ou um hábito que aparece com o tempo, conforme as experiências vividas. “Sabemos que as crianças são egoístas e dependem disso para afirmar suas vontades. Mas faz parte da passagem à idade adulta o abandono deste modelo”, explica o médico. Com as responsabilidades crescendo, o individualismo tende a surgir, ou seja, um comportamento em que é preciso satisfazer suas necessidades, mas sem abrir mão de pensar nas outras pessoas.
Egoísta ou egocêntrico?
As palavras são parecidas, mas o uso delas refere-se a perfis bem distintos. “Uma pessoa egocêntrica não olha para os lados, ela não quer saber como os outros estão se sentindo. O mundo inteiro precisa se adaptar aos interesses do egocêntrico”, afirma o psiquiatra. Já o egoísta, segundo ele está preocupado em tirar o melhor proveito da situação conforme ela se apresenta.
Na prática, a diferença aparece de forma bem simples. “O egoísta aceita ir ao cinema, mesmo detestando o filme, desde que o melhor lugar esteja reservado para ele. Já o egocêntrico só combina programas que ele aprove, jamais admitindo alguma contrariedade, por menor que seja ela”, exemplifica a psicóloga Carmem da Nóbrega, de Campinas.
Lidar com gente assim não é moleza e, na maioria das vezes, a solidão acaba sendo a única companhia de quem, simplesmente, não se ocupa com o outro. “Tenho um grupo de amigos que sempre sai junto. Nós somos parecidos, então é difícil ter confusão na hora de decidir o que fazer”, afirma a secretaria Magali Novaes. “Mas arrumei um namorado que me levou a brigar com meus amigos, porque tudo tinha de ser do jeito dele. Até que nem eu aguentei mais e acabamos nos separando”.
Esse tipo de choque, na maioria das vezes, tem resultados extremos: contribui para o que o egoísta repense sua forma de agir ou agrava ainda mais o isolamento desse tipo de pessoa. “O ideal, nesses casos, é mostrar que a colaboração é positiva, que todos ganhamos ao permitir que o outro expresse seus desejos”, diz a psicóloga.
O problema é que existe muito mal entendido entre estar disposto a entender outras pessoas e ceder a vontades que não são suas. “E não é isso: quando você decide ouvir quem está por perto, há muito mais chances de resolver os impasses da rotina de forma criativa. O egoísta perde muitas oportunidades ao deixar de dar ouvidos ao outro, com medo de que seus objetivos estarão sob ameaça”, diz o especialista da Unifesp.
Lado bom
Camila Moura, hoje estudante de arquitetura e estagiária de uma empresa de construção, precisou ter sangue frio e bancar o egoísmo em nome de um sonho. “Via minha família passar dificuldades financeiras durante o ano inteiro, mas não podia ajudar. Eu tinha que usar meu dinheiro para pagar a matrícula da faculdade. Hoje ganho bem e posso dar uma vida confortável a eles”, conta ela.
Só é preciso ficar de olho nas situações em que o seu comportamento começa a atrapalhar o convívio social, afastando as amizades e dificultando o relacionamento. “Além de não se preocupar com o outro, casos extremos de egoísmo são marcados pelo prazer em fazer escolhas que vão magoar o outro”, explica o psiquiatra.
Egoísmo patológico
Veja os sinais de que o problema precisa de tratamento especializado, com um psicólogo ou com um psiquiatra
Dificuldade de relacionamento: no trabalho, em casa ou com os amigos, há sempre uma briga na hora de fazer escolhas e o que deveria ser uma experiência agradável termina em conflito. “É normal discordar dos outros de vez em quando. Mas vale analisar se você só está satisfeito quando tudo está a seu favor”, afirma Carmem.
Falta de interesse nas atividades que outras pessoas sugerem: se tudo não está do seu jeito, melhor desistir. “Pessoas egoístas não conseguem se envolver em atividades que tragam mais benefício ao outro do que a elas próprias”, afirma a psicóloga.
Solidão: uma pessoa egoísta, raramente, tem um grande círculo social. Os amigos inventam desculpas para se afastar dele e a família não faz questão de tê-lo por perto. No trabalho, há problemas para desenvolver projetos em equipe.