O Conselho Brasileiro de Oftalmologia, após uma pesquisa com pessoas que perderam familiares e não doaram as córneas, constatou que é importante lembrá-los da importância da doação. ?Não existe, na população curitibana, uma aversão à prática da doação de órgãos. Eles só precisam ser lembrados na hora difícil?, afirma o representante do Estado na Câmara Técnica do Conselho, Hamilton Moreira. Para o oftalmologista, fazer as pessoas lembrarem, seria a solução para acabar com a fila de mais de 800 pessoas que ainda esperam o transplante para voltar a enxergar.
Segundo Moreira, o Ministério da Saúde, junto ao Conselho, voltou a discutir neste mês o problemas das grandes e demoradas filas para transplante. A meta do governo federal é acabar com a fila em dois anos. ?O que é quase impossível do ponto de vista técnico. Mas se trata de uma solução simples para um problema crônico?, conta.
O representante paranaense no conselho explica que o Ministério pretende montar e capacitar equipes captadoras, visando os grandes hospitais, onde o número de óbitos é alto. ?Serão pessoas que lembrarão e abordarão as famílias de maneira certa. Não se trata de um convencimento, mas sim de algo ético e correto?, explica.
Essas equipes seriam montadas nos grandes hospitais do País. Em Curitiba, os hospitais que poderiam entrar nessa ação seriam o Cajuru, das Clínicas, Pequeno Príncipe, entre outros hospitais e maternidades, que atendem o Sistema Único de Saúde (SUS) e que têm grande demanda de óbitos.
Realidade
Doar órgãos nem sempre é muito fácil. Quem já passou por isso sabe exatamente como é o processo. A dona-de-casa curitibana, Elza Maciel Moreira, com apoio dos filhos, doou as córneas do marido, em 1994. Mesmo que não tenha sido simples, ela diz que quando morrer quer que os familiares façam o mesmo. ?Não foi muito difícil porque eu já tinha isso como certo com meus filhos. Mesmo assim foi doído. Você, em uma hora difícil, tem de ser durona?, conta.
Para ela, a religião influencia um pouco na decisão. ?Eu sou kardecista. O corpo físico não tem aquele valor que muitas pessoas dão a ele?, afirma Elza. A parte mais complicada, e que levaria as pessoas até a desistirem da doação, é o trâmite. ?Foi tão complicado doar. Eu pensei que seria mais fácil. As pessoas me jogavam para lá e para cá, mandavam eu falar com um e com outro. É complicado, pois a pessoa está fazendo aquilo, mas está sofrendo?, diz.
Moreira reconhece essa dificuldade e a atribui à falta de prática e preparo de alguns hospitais. ?Como é pouco efetuada essa retirada, eles (hospitais) nem sabem qual é o trâmite de rotina. É como qualquer coisa que está se iniciando. Realmente dificulta a perpetuação do ato?, admite.
Números
Pelo levantamento da Central Estadual de Transplantes, no Paraná, a fila de 860 pessoas está parada há cerca de dez meses. Em 2004, foram realizados somente 473 transplantes. Como Curitiba registra um número de 40 óbitos por dia, para fazer essa fila andar, segundo o Conselho Brasileiro de Oftalmologia, bastaria que apenas 10% desse total tivessem as córneas doadas.
Essa não é a realidade dos países mais desenvolvidos. Enquanto no Brasil, anualmente, são disponibilizadas somente dez mil córneas, nos Estados Unidos, por exemplo, esse número sobe para 50 mil. (Nájia Furlan)