Quando a surdez é diagnosticada precocemente e o tratamento logo iniciado, a recuperação pode criar um quadro próximo ao de um ouvinte. No Brasil, porém, a idade média de diagnóstico é de quatro anos, considerada muito tardia pelos médicos. Os pais devem observar se há atraso de fala ou linguagem para detectar a surdez. Aos sete meses de vida, o bebê já deve imitar alguns sons. Com um ano, ele deve falar cerca de dez palavras e, com dois anos, precisa ter um vocabulário em torno de cem palavras.
A audição começa a se desenvolver a partir do quinto mês de gestação e se intensifica nos primeiros meses de vida. A surdez tem vários motivos e pode acontecer em diferentes fases. Nos bebês, do primeiro ao 28.º dia, os maiores fatores de risco são: histórico familiar; infecção intrauterina, provocada por rubéola, sífilis, herpes genital, toxoplasmose ou citomegalovírus; anomalias crânio-faciais, que afetam a orelha e o canal auditivo; peso inferior a 1,5 quilo ao nascer; hiperbilirubinemia, doença que acontece 24 horas depois do parto, quando o bebê fica todo amarelo por causa do aumento de uma substância chamada bilirubina; medicação ototóxica, que está relacionada com o uso de antibióticos que podem afetar o ouvido interno; meningite bacteriana; ventilação mecânica em UTI Neonatal por mais de cinco dias, quando o bebê teve de ficar entubado por não conseguir respirar sozinho; e em síndromes neurológicas, como de Down ou de Waldemburg.
Nas crianças até dois anos, a surdez pode ser causada por meningite bacteriana ou virótica (a maior causa de surdez no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Educação para Surdos); trauma na cabeça associada à perda de consciência ou fratura craniana; medicação ototóxica; e infecção de ouvido persistente ou com duração por mais de três meses.
Os adultos precisam tomar cuidados, pois nessa fase também é possível ficar surdo. Além dos fatores relacionados às crianças, o uso continuado de walkman (aparelho de som com fone de ouvido), trabalho em ambiente de alto nível de poluição sonora e infecção constante no ouvido podem causar surdez.
Assim como em outras deficiências, o surdo ainda não está incluso na sociedade. É difícil chegar em algum lugar sozinho, onde não há pessoas que sabem a Língua Brasileira de Sinais (Libras), e tentar se fazer entender. “A dificuldade é muito grande, pois a sociedade gira em torno da comunicação”, avalia Cristianne Bara Mattei, diretora da escola especializada da Associação de Pais e Amigos do Surdo (Apas), criada em 1968. “O surdo ainda é muito dependente do ouvinte para tudo, por mais que a língua de sinais seja difundida. Todo mundo sabe que existe, mas poucos sabem aplicá-la”, comenta.
Isso acontece porque o surdo não encontra lugares que disponibilizam intérprete de Libras, seja em locais públicos, lojas, ônibus, hospitais. “Há uma lei que obriga os órgãos públicos a ter uma pessoa com conhecimento de Libras. Mas não há estrutura para isso, deixando de ser colocada em prática”, aponta Cristianne.
Reivindicação
Essa é uma das reivindicações da Associação Dikaion, de Piraquara, que trabalha com crianças, adolescentes e adultos carentes. Das 120 pessoas, 20 são surdos, que participam de um coral com a linguagem de sinais. A coordenadora Josy Ferraz conta que foi chamada pelo médico que iria fazer o parto de Denise Verlines, uma das surdas atendidas pelo projeto. “Ele precisava passar orientações para ela e não sabia como. Ninguém no hospital sabia Libras”, afirma.
Para a coordenadora, outro ponto crítico que contribuiria para a inclusão do surdo é a educação, principalmente nas áreas de higiene e sexual. “Os pais não têm paciência e as escolas públicas não estão preparadas. Restam para surdos aprender na rua. Eles mantêm relações sexuais sem nenhuma proteção”, declara Josy.
Na avaliação de Cristianne, a situação dos surdos nos dias de hoje é um pouco melhor do que há dez anos. Alguns tabus também foram quebrados, como um que dizia que o deficiente auditivo era agressivo. “Qualquer pessoa que não é entendida fica irritada. Imagine durante um período grande”, diz a diretora. Outra história é sobre o surdo ser necessariamente mudo. “Se você não ouve, provavelmente não fala. Mas existem trabalhos de fonoaudiologia para desenvolver a fala naqueles que têm condições”, explica Cristianne.
Despreparo das escolas agrava o problema
O despreparo das escolas em receber os surdos é muito grande, aponta Josy Ferraz, da Associação Dikaion. Ele dá como exemplo o que aconteceu com Olívia Gonçalves da Silva, integrante da entidade. Ela participava da divisão de ensino especial de Piraquara e cursava a 3.ª série do ensino fundamental quando foi informada que aquilo era só um reforço escolar e não valeria como formação. “Além disso, a professora não respeitava a Olívia e pedia para que ela fizesse alguns serviços da escola, como limpar o chão. Ela fazia para ser aceita, mas isso criou um bloqueio enorme”, relata.
Segundo Cristianne Mattei, da Associação de Pais e Amigos do Surdo (Apas), poucos deficientes auditivos conseguem ler e escrever, por causa de sistemas de ensino inadequados. “Até pouco tempo atrás, os professores, além de não terem preparo, queriam transformar o surdo em ouvinte pleno. O adulto que passou por isso fica marginalizado por não ter instrução”. Ela explica que hoje as escolas especializadas são bilíngües, ensinando a utilizar a fala e a Libras. Na Apas, todas as aulas são em linguagem de sinais. Os 104 estudantes também participam de cursos pré-profissionalizantes.
A Escola de Educação Especial para Deficientes Auditivos Epheta, fundada em 1950 em Curitiba, utiliza um método de ensino que reúne a leitura de fala (dos lábios e das expressões corporais), a língua portuguesa e o resíduo auditivo. “Todos os surdos têm um resíduo, o mínimo que seja. Orientamos o uso do aparelho desde cedo para a estimulação. Eles conseguem captar as palavras e, assim, começam a falar”, explica a coordenadora pedagógica Salete de Bortoli. “Os surdos precisam passar por uma reeducação auditiva, uma recodificação cerebral, para saber identificar uma buzina, por exemplo”, afirma.