Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), as gestantes de fetos com anencefalia deverão ficar livres do risco de serem processadas criminalmente por aborto. Em um julgamento iniciado nesta quarta-feira, cinco dos 10 ministros que participam da votação já se posicionaram reconhecendo o direito das grávidas a anteciparem o parto no caso de o feto ser anencéfalo. O vice-presidente do STF, Carlos Ayres Britto, que ainda não votou formalmente, manifestou-se a favor do direito à interrupção das gestações. Por enquanto, apenas o ministro Ricardo Lewandowski votou contra.

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O julgamento será retomado quinta-feira para que Ayres Britto e outros três ministros que ainda não votaram se posicionem sobre o processo. Confirmado o resultado desenhado quarta-feira, toda a mulher comprovadamente grávida de feto anencéfalo pode procurar um hospital público para se submeter a um procedimento médico para a antecipação do parto. Não precisará, como ocorre hoje, recorrer à Justiça para, numa maratona que pode demorar mais do que os nove meses da gestação, tentar obter uma autorização legal para que ela e o médico não sejam acusados de crime.

A maioria dos ministros que votaram quarta-feira julgou que a interrupção da gravidez neste caso não viola o direito à vida, pois o feto seria natimorto, não teria vida, portanto. Por esse entendimento, a interrupção da gestação nesses casos não poderia ser comparada à prática do aborto, considerada crime pelo Código Penal. Ministros fizeram questão de ressaltar que a decisão não significa um primeiro passo para a liberação total da prática do aborto no Brasil.

“Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo não existe vida possível”, afirmou o ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo. Por isso, não haveria conflito entre a liberdade da mulher de interromper a gravidez nesses casos e a vida que estaria sendo gestada. “Em rigor, no outro lado da balança, em contraposição aos direitos da mulher, não se encontra o direito à vida ou à dignidade humana de quem está por vir, justamente porque não há ninguém por vir, não há viabilidade de vida”, acrescentou o ministro nas 80 páginas do seu voto.

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Marco Aurélio e Luiz Fux classificaram como uma tortura obrigar a mulher a levar a gestação do feto anencéfalo até o final. “Não seria justo obrigar que uma mulher assista por nove meses à missa de sétimo dia do seu filho”, afirmou Fux. “O que se examina é se é justo, no âmbito criminal, jogar essa mulher no banco do júri (para ser julgada pelo crime de aborto)”, acrescentou Fux. Ainda de acordo com o ministro, a “vontade popular” repudia a possibilidade de punir criminalmente a mulher que interrompe a gravidez de feto anencefálico.

Além de Marco Aurélio e Fux, votaram a favor da liberação da interrupção da gravidez os ministros Joaquim Barbosa, Rosa Weber e Cármen Lúcia. O ministro Dias Toffoli declarou estar impedido de participar do julgamento por ter dado parecer no caso quando era advogado-geral da União.

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A posição majoritária dos ministros que já votaram contraria as teses defendidas pela Igreja Católica e que foi levada, às vésperas do julgamento, aos gabinetes dos ministros. Para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a prática da interrupção da gravidez violaria o direito à vida do feto. Assim como ocorreu nos julgamentos das pesquisas com células-tronco embrionárias e da união homoafetiva, a decisão da Corte deverá ser contrária aos interesses da igreja.

Único ministro a votar por enquanto contra a liberação das interrupções das gestações, Lewandowski afirmou que a iniciativa usurparia competência do Congresso ao criar uma nova possibilidade em que o aborto não pode ser punido. Pela legislação atual, não podem ser punidos os abortos quando a gravidez resulta de estupro e nas hipóteses em que a gravidez coloca em risco a vida da mulher. “Não é dado aos integrantes do Poder Judiciário promover inovações no ordenamento normativo como se parlamentares eleitos fossem”, disse o ministro.

Felipe Recondo e Mariângela Gallucci