A volta das férias deveria ser gradativa. Um pouquinho de cada vez, pra não traumatizar o trabalhador. Algo parecido com o que a gente faz quando começa a usar lente de contato: no primeiro dia trabalha uma hora, no segundo duas horas, assim por diante.
Depois de um período de férias, sem a rigidez dos horários a cumprir, dos compromissos estabelecidos na agenda, da pressão do dia-a-dia, rotina comum nas grandes cidades, é natural que a mudança no ritmo biológico das pessoas provoque desconfortos quando se começa a retornar ao ritmo anterior. Não existem dados estatísticos, mas não é difícil perceber que um número expressivo de pessoas na volta de um período prolongado de descanso sofra algum tipo de dano. Para o empresário Nelson Teixeira de Carvalho, por exemplo, a primeira semana é marcada por atrasos.
Leslie Marc D?haese, da Associação Paranaense de Medicina do Trabalho, reconhece que, nos primeiros dez dias pós-férias, podem surgir sonolência, fadiga, indisposição, problemas digestivos, falta de apetite, alterações de humor e tensão muscular. ?Quanto mais dias em férias, maior a dificuldade de se readaptar à rotina anterior?, diz o médico. Cada pessoa responde de uma forma a essa readaptação, mas, em geral, todos sentem uma alteração no funcionamento do corpo, diz o fisiologista Alexandre Menezes.
D?haese salienta que tudo isso é normal, pois todos temos um humor cíclico. Conforme o especialista, no período de férias, sem a pressão de cumprir compromissos ou horários, o organismo tende a reorganizar suas funções, adaptando-se a um novo ciclo, bem mais relaxado. ?O retorno, por sua vez, exige um reajuste progressivo desse ciclo?, considera. Os cientistas pesquisam há algum tempo tais fenômenos, especialmente a cronobiologia -ciência que estuda os ritmos e os fenômenos físicos e bioquímicos que ocorrem nos seres vivos, a partir da observação de manifestações cíclicas e constantes.
Ao sair em férias, o organismo tende a obedecer ao máximo seu ritmo, assim o relógio biológico reorganiza suas funções de sono e de secreção de hormônios, entre outras, daí a melhora no bem-estar. ?Ao voltar ao batente, o corpo sente a mudança e responde acentuando diversos tipos de desconfortos?, diz o cronobiologista Luiz Menna-Barreto. Já os psicólogos tendem a considerar o período de férias uma fase propícia para recarregar as baterias, para a pessoa pesar os prós e os contras da sua rotina e, quem sabe, tomar medidas que provoque mudanças importantes na sua vida. ?No entanto, nem todas conseguem isso?, reconhece o especialista.
Segundo a médica Suzete Grassi Garbers, especialista em medicina do trabalho, o impacto da volta pode se tornar positivo ou negativo. ?Depende do modo com que cada pessoa encara a sua realidade?, observa. No seu entender, se o indivíduo está bem enquadrado no seu ambiente de trabalho, maiores são as chances de retornar satisfeito, de bem com a vida. ?Senão, nem doze meses de férias vão surtir o efeito desejado?, realça.
A especialista lembra que no dia-a-dia o tempo é marcado pela hora de despertar, de começar o trabalho, de almoçar e de dormir, atividades esquecidas quando estamos de férias. ?Por isso, o corpo reclama da mudança, daí o cansaço e a sonolência?, ressalta. Para D?haese, o problema, logicamente, não está nas férias, mas na forma como cada um encara o seu período de descanso. Por isso, ele orienta que, antes de recorrer aos remédios ou a qualquer tipo de terapia, a pessoa que sofrer dessa síndrome tente fórmulas simples para combatê-la, como dormir uma hora mais cedo, iniciar a prática de atividades físicas e ingerir uma alimentação mais leve.
O nível de satisfação e prazer que a pessoa tem no trabalho, em casa ou na escola pesa bastante sobre o impacto da volta às atividades do dia-a-dia. Ser surpreendido com novidades também costuma influenciar, deixando a pessoa ansiosa nos primeiros dias, diz a psicóloga Mariângela Savóia. E isso vale para a mãe que começa o ano com os filhos em uma nova escola, para o profissional que inicia o ano atuando em um novo setor da empresa, para quem mudou de emprego e até para os estudantes que mudaram de turma. ?Esse impacto se torna mais forte depois das férias, pois se soma às mudanças nos hábitos e a expectativa criada pela virada de ano?, completa a terapeuta.
Após passadas algumas semanas, os trabalhadores conseguem se readaptar e retomar as suas atividades normais. No entanto, se a pessoa, nesse período, permanecer com os sintomas da síndrome, a orientação dos especialistas é para que o auxílio médico seja procurado.
Vá à luta
Ao voltar das férias, alguns especialistas, garantem que o aconselhável é partir logo para a ação e encarar com otimismo e entusiasmo os novos projetos que se pretende realizar. Isso faz com que a mudança do repouso para o trabalho possa ocorrer de maneira leve e sem mais desconfortos. Uma opção é evitar tumultos e atropelos com o retorno às atividades, deixando alguns dias das férias, especialmente os últimos, para organizar e programar o regresso. Normalmente, existe uma pilha de contas a pagar, também é hora de ir ao supermercado reabastecer a dispensa, ou seja, coisas que ajudam a recolocar as coisas no seu devido lugar, preparando para mais um ano de trabalho. É bom, também, liquidar pendências financeiras, pois, naturalmente, as dividas deixam as pessoas angustiadas e infelizes, situação nada confortável para quem vai começar mais um ano de trabalho.
Para sofrer menos na volta
* Procure não retornar das férias às vésperas do trabalho ou das aulas.
* Tente adaptar seu organismo ao novo padrão, tentando dormir uma hora mais cedo.
* Evitar longas jornadas de trabalho.
* Se sentir falta de apetite no horário tradicional do almoço, faça um lanche mais leve, mas não deixe de se alimentar.
* Tente encontrar novas motivações.
* Mesmo trabalhando, não esqueça de se distrair nas horas de lazer: leia, vá ao cinema, ao teatro, ou saia com os amigos.