Os legumes e as verduras são primordiais para quem tenta evitar a obesidade. |
A estudante Patrícia de Fátima Abrão, 14 anos, vive uma luta diária contra a balança. Com 1,52 metro de altura e pesando 81 quilos, ela é uma entre milhares de crianças e adolescentes que estão acima do peso. O que chama a atenção é que o problema não está mais associado às classes sociais elevadas. O refrigerante, o bolo com várias e deliciosas camadas de recheio, o hambúrguer e a batata frita estão chegando à mesa de crianças menos privilegiadas financeiramente.
“A classe mais baixa, quando melhora a condição financeira, troca o arroz e o feijão pelo fast food, com alto teor de gordura”, revela a endocrinologista Rosana Radominski, responsável pelo ambulatório de obesidade infantil do Hospital de Clínicas, em Curitiba. Toda quarta-feira à tarde, Rosana e sua equipe fazem o atendimento a crianças obesas carentes que necessitam de acompanhamento médico para emagrecer. A estudante Patrícia é uma delas. Em seis meses, ela emagreceu 7 quilos, mas quer perder mais 20 quilos. “Antes eu comia bastante doce e salgado no colégio. Agora, estou comendo frutas e verduras, na hora certa. Também caminho mais”, relata.
De acordo com a médica, o aumento da obesidade entre crianças de classe baixa tem velocidade maior do que na classe alta. “Aqueles com melhor condição financeira têm acesso a informações sobre doenças, por exemplo”, explica. Rosana conta que observa a diferença nos próprios atendimentos: “No consultório (particular), a criança vem menos obesa que no HC. Além disso, nem sempre os pais têm condições de comprar o que a gente pede”, considera, referindo-se às classes sociais mais baixas.
Fatores
Com relação aos fatores da obesidade infantil, Rosana cita a menor quantidade de atividade física, o aumento do consumo de comida gordurosa e a herança genética. “As crianças ficam muito tempo em frente à TV ou do computador, sempre com um pacote de salgadinhos ou de bolachas”, afirma. A mídia, aponta ela, também tem responsabilidade no consumo desenfreado de alimentos calóricos. “A gente nunca vê propaganda de frutas e verduras no horário de programação infantil. A TV não ajuda em termos de alimentação saudável”, critica. Outro fator maléfico é o descuido dos pais. “A criança vai ao médico quando está com febre ou não come. Dificilmente vai quando ela come em demasia. Para muitos, gordura continua sendo sinônimo de saúde”, lamenta.
Rosana explica que são três as fases decisivas para o ser humano se tornar um obeso: dos 5 aos 7 anos de idade, dos 12 aos 19 anos e durante a gestação, no caso de mulheres. “Se a criança com idade entre 5 e 7 anos for obesa, há 80% de chances de que ela seja um adulto obeso”, aponta.
Quanto às complicações do excesso de peso à saúde estão o colesterol alto, triglicerídeos elevados, hiperglicemia, hipertensão arterial: fatores de risco que podem levar a doenças cardiovasculares. Além disso, as crianças podem ficar suscetíveis à asma, diabete tipo 2 e desenvolver problemas ortopédicos. “Taxa alta de colesterol e triglicerídeos, por exemplo, só costuma aparecer a partir dos 35 anos, mas já atendi crianças de 5 ou 6 anos com colesterol alto”, conta.
Questão psicológica influencia
Lyrian Saiki
A obesidade geralmente está ligada a fatores orgânicos. Mas em alguns casos é a questão psicológica que mais pesa no ganho de gordura. Para o psicólogo Dionízio Banazewiski, presidente do Conselho Regional de Psicologia do Paraná, a obesidade é uma patologia que se assemelha a qualquer outra dependência, como a compulsão por jogos ou bebida alcoólica. “Se você conversar com um obeso vai ver que os olhos dele brilham quando o assunto é comida. É como falar de bebida para quem bebe”, compara.
Com relação à obesidade infantil, o psicólogo explica que os motivos da compulsão são variados. “Pode ser uma compensação, para as mais tímidas, ou uma forma de agradar os pais, já que são os próprios adultos que acham bonitinha uma criança bochechuda”, explica.
Se por um lado fatores psicológicos podem gerar a obesidade, pelo outro é justamente o emocional um dos mais afetados quando a criança está acima do peso. “As crianças obesas podem apresentar um quadro depressivo. Elas têm dificuldade de lidar consigo mesmas, têm a questão da rejeição no grupo, a discriminação e os apelidos maldosos”, aponta.
Pode ter sido justamente a questão psicológica que levou o pequeno Eduardo Fábio Acioly, 8 anos e com 1,33 metro de altura, a chegar aos 55 quilos. Segundo sua mãe, Andréa Fabro, Eduardo começou a engordar há cerca de dois anos: justamente quando ela se separou do pai do garoto. “Gosto de comer arroz, batata frita, costela, frango”, enumera Eduardo. A decisão de procurar ajuda médica no ambulatório do HC, no entanto, partiu dele próprio. “Quero ficar magro”, diz com convicção.
Empresária diz que já chegou a pesar 120 quilos
Lyrian Saiki
Quem olha para a empresária e consultora de alimentação saudável do Grupo Pão de Açúcar, Lucília Diniz, não imagina que um dia ela já foi obesa. Com 43 anos, 1,67 metro de altura e pesando 59 quilos, ela se tornou um exemplo de que é possível emagrecer com saúde.
Dos 14 aos 38 anos, Lucília sofria com o excesso de peso. Chegou a pesar 120 quilos. “Fiz dezenas de regimes, fui a spas no Brasil e no exterior e nada adiantava. Até que comecei a inventar pratos à base de hortaliças e acabei me tornando uma espécie de cientista na cozinha”, conta Lucilia.
Sua luta contra a balança está relatada no livro O prazer de viver light, que a empresária lançou esta semana em Curitiba. Além do livro, Lucília desenvolveu uma linha de produtos denominada GoodLight, que tem como carros-chefes o adoçante, achocolatado e cereais.
Salgadinhos e bolachas são vilões
Lyrian Saiki
Se a luta contra a balança já é árdua para um adulto, chega a ser cruel para uma criança. Principalmente aquelas que têm os salgadinhos e os pacotes de bolacha como companheiros inseparáveis.
“A alimentação errada é o principal motivo da obesidade infantil”, sentencia Mara Cooper, orientadora do Vigilantes do Peso. Tamanha era a procura de crianças pelo programa, conta Mara, que o Vigilantes do Peso acabou desenvolvendo um programa próprio para crianças e adolescentes. “É falada a linguagem da criança, com atividades lúdicas, teatro. Também fazemos competições como de quem come mais salada”, explica Mara.
Ela lembra que a faixa que vai dos 9 aos 12 anos de idade é aquela que consome muitos salgadinhos, hambúrgueres, doces e balas. “Muitos ficam sozinhos em casa e acabam comendo demais.” A ansiedade, afirma, é um dos fatores que estimula o consumo desenfreado de alimentos calóricos. “Às vezes, a criança se acha feia, gorda, não se sente aceita e come.”
Quanto ao progresso das crianças no Vigilantes do Peso, Mara diz que trabalhar com elas é mais fácil, pois não escondem nada. “As crianças são mais honestas. Se elas comem escondido, contam”, afirma. Mara lembra que, mesmo se tratando de um programa de reeducação alimentar, algumas guloseimas são liberadas de vez em quando. “A cada seis meses, a gente leva as crianças para comer pizza ou hambúrguer”, revela.
Sem sacrifício
O estudante Márcio Gabriel Gonçalves Júnior, 10 anos, emagreceu 12 quilos em cinco meses, graças ao Vigilantes do Peso. Com 1,51 metro de altura e pesando atualmente 69,9 quilos, ele conta que a perda foi sem sacrifício. “Meu problema maior era o chocolate. Também comia pastel, bolacha recheada, bombom e kreps no colégio. Agora não como nada na cantina. Levo bolacha de água e sal, chá diet e barra de cereal”, conta.
Apesar da mudança, Márcio diz que não passa fome, tampouco sofre com a reeducação alimentar. De quebra, deixou de ser alvo de apelidos maldosos. “Me chamavam de gordo, baleia, free willie. Agora não me xingam mais”, conta, satisfeito.