O domínio sobre o mecanismo das células-tronco abre uma nova era na medicina, na opinião do pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz Ricardo Ribeiro dos Santos. Isso porque, entre outros fatores, a expectativa de vida vem crescendo e as doenças crônico-degenerativas incidem diretamente sobre os idosos. E é justamente para combater esses tipos de doenças que o tratamento com células-tronco provoca maior ansiedade. O pesquisador alerta, no entanto, que essa terapia não é como uma droga qualquer, de dose-efeito. Ele explica que ainda há dificuldades para saber quantas células aplicar, até quando multiplicá-las e quantas aplicações podem ser feitas.
A clonagem terapêutica no Brasil, apesar de incontáveis avanços, esbarra em algumas barreiras no seu desenvolvimento. Primeiro, existem as dificuldades financeiras, já que o tratamento prevê a integração da pesquisa básica com a clínica, laboratórios muito bem equipados e extrema qualidade do material celular. ?Tudo sem improvisos?, advertem os cientistas. Em seguida, estão as questões éticas que devem acompanhar o rigor científico, pois a capacidade de regenerar e, talvez, até gerar vidas é alvo de críticas e de controvérsias religiosas.
Longo caminho
Apesar desses empecilhos, o Brasil vive um momento singular no campo de pesquisas em terapia com células. Do nordeste ao sul do país, grupos de pesquisa estão sendo capacitados científica e tecnologicamente com objetivo de desenvolver estudos que signifiquem tratamento de pacientes com doenças consideradas incuráveis ou sem perspectiva de cura, como mal de Alzheimer, Parkinson, diabetes, lesões cardíacas e da medula espinhal.
Os pesquisadores alegam que ainda existe um grande caminho a ser percorrido até que elas possam ser usadas no tratamento de doenças. Os experimentos começaram no final do século passado e caminham rapidamente. Eles hoje vão da restauração de parte da sensibilidade de membros paralisados, no caso de paraplégicos e tetraplégicos, à recuperação da área cardíaca lesada em pacientes que tiveram infartos ou doença de Chagas. Diabetes, doenças degenerativas da visão, regeneração da pele nos casos de queimaduras entram no rol de pesquisas desenvolvidas em nível mundial.
Sem rejeição
O médico geneticista Salmo Raskin explica que para obter as células-tronco através da clonagem terapêutica basta a junção de uma célula da pele e um óvulo. Retira-se o núcleo da primeira e se introduz num óvulo sem núcleo. Depois de alguns dias forma-se um embrião e dele são retiradas as células-tronco. ?A grande vantagem da técnica é que não existe rejeição, já que as células-tronco são formadas a partir de outras células do próprio paciente?, observa.
A primeira idéia que vem à mente das pessoas é a expectativa da reprodução de órgãos inteiros, como um fígado ou um coração, para serem usados em transplantes, sem maiores riscos de rejeição. Na verdade, isso dificilmente acontecerá. Raskin explica que a técnica é clonar uma célula-tronco e orientá-la para que dê origem a células de determinados órgãos, daí sim, enxertar esse tecido no paciente portador de alguma doença grave. ?Pode ser que apenas um pedacinho desse tecido seja suficiente para corrigir alguma deficiência do órgão?, complementa.
Células-tronco: é aqui que tudo começa
Na concepção, as células-tronco não passam de duzentas e são todas iguais. No entanto, basta o comando misterioso de um sinal genético para que elas disparem e acelerem na construção de todos os elementos da máquina humana. O mais fantástico ainda é que cada uma vai para um lado e sabe exatamente o que fazer. Como num passe de mágica se multiplicam tanto que chegam a somar cerca de 75 milhões no corpo de um adulto. Decifrar os mistérios dessas células é o grande desafio da genética aplicada à medicina.
As células-tronco são células capazes de gerar todos os tecidos do organismo, como os do coração, da pele e da medula. Inicialmente, pensava-se que elas fossem encontradas apenas em embriões. Recentemente, entretanto, descobriu-se que as células-tronco estão presentes em vários tecidos do corpo humano, com maior ou menor capacidade de gerar células específicas. São as chamadas células-tronco adultas ou não-embrionárias. As utilizadas pela medicina são obtidas na medula óssea, placenta e cordão umbilical. Aquelas encontradas na medula óssea, por exemplo, têm a função de regenerar o sangue, e vem sendo usada com sucesso no tratamento de leucemia.
E se o tratamento não der certo?
?A esperança de recuperação dos movimentos de vítimas de lesões na medula, por exemplo, através da injeção de células-tronco, pode criar motivações e expectativas importantes, mas pode comprometer o equilíbrio emocional do paciente?, alerta a psicóloga Mônica Giacomini Guedes da Silva, da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar. No seu entender, se as expectativas forem superestimadas, quanto à recuperação dos movimentos, ou do tempo de melhora, podem levar o paciente a frustrações e à descrença, desencadeando um sério quadro depressivo. Uma das condições mínimas para que continue vivendo com suas limitações, conforme a especialista, é a busca de recursos emocionais que dêem significado à sua existência com qualidade de vida.
Mônica Giacomini explica que a reação de uma pessoa, após um tratamento inovador, depende de suas expectativas anteriores e do ganho posterior. As reações são únicas e individuais, e estão ligadas à forma como a pessoa lida com sua deficiência, com sua capacidade em elaborar os sentimentos despertados pelo trauma e com a esperança investida no procedimento. No caso de fracasso, dependendo do nível de frustração, o paciente pode ter sua reabilitação comprometida pela descrença. Risco que ela tem o direito de correr, pois é sua única chance de acreditar que sua condição, um dia, pode mudar.
