Quem convive com o problema de apertar e ranger os dentes enquanto dorme já deve ter ouvido a afirmação que o distúrbio tem como sua maior causa o estresse.
Depois de dez anos de estudos, um grupo de pesquisadores em dor orofacial e desordens do sono da PUC-RS, comandado pelo cirurgião-dentista Márcio Lima Grossi, começa a dar uma nova abordagem ao problema, na qual o estresse deixa de ser o maior vilão do bruxismo para tornar-se apenas um coadjuvante. Para estes estudiosos, o distúrbio está associado à dificuldade de se respirar durante o sono leve – estágio anterior ao sono profundo.
A pesquisa demonstrou que o uso de um dispositivo de avanço mandibular (conhecido por “placa de ronco”) durante 30 dias melhorou significativamente o problema em quase 100% dos 28 pacientes estudados.
O bruxismo e a apneia têm relação à dificuldade da passagem do ar. “Imagine uma rodovia. No distúrbio, todos os carros passam com uma velocidade menor. Na apneia, nenhum carro passa”, explica o coordenador.
Alguns autores afirmam que bruxismo é todo contato de dentes que ocorre fora da função, já que o contato dos dentes só deve ocorrer na mastigação e deglutição, inclusive da saliva.
Nesses casos o tempo médio de contato diário fica em torno de 12 a 20 minutos. Qualquer contato fora disso é caracterizado como bruxismo. O distúrbio leva a uma grande força de contato entre as superfícies oclusais dos dentes superiores e inferiores e produz sons incômodos às pessoas próximas.
O primeiro estudioso do sono a descobrir a função do distúrbio para a respiração foi o cirurgião-dentista franco-canadense Gilles Lavigne. Conforme o pesquisador, quando uma pessoa está acordada, a cabeça fica na posição ereta e a mandíbula na horizontal.
Quando dorme, a cabeça fica na horizontal. A mandíbula fica na vertical e cai para trás. O bruxismo faz parte de um mecanismo de acordar/despertar, em geral no estágio do sono leve – quando a necessidade de oxigênio é maior do que no sono profundo. Sua função é manter a passagem das vias aéreas e a lubrificação da cavidade oral.
Neste processo, a mandíbula é projetada à frente pelos músculos da região até os dentes entrarem em contato.
A musculatura fica tensa para evitar que a mandíbula volte a cair para trás. “É neste momento que a pessoa range e/ou aperta os dente”, observa Grossi.
Esse mecanismo evita que a mandíbula volte a cair para trás, o que reduziria novamente a passagem do ar na região do orofaringe – que fica atrás do nariz e da boca.
O bruxismo normal ou fisiológico não provoca sintomas. Já o patológico ocorre em pessoas com dificuldade de entrar em sono profundo. O cirurgião explica que quem fica muito tempo no sono leve pode ter até 40 minutos de bruxismo por noite. De manhã, tende a apresentar sensibilidade nos dentes da frente, dores de cabeça, na face e na articulação logo à frente dos ouvidos (articulação têmporo-mandibular). “Em longo prazo, corre o risco de ter desgaste excessivo dos dentes e o aumento do tamanho dos músculos da face”, alerta.
O distúrbio pode acontecer mesmo com a pessoa acordada, e sua etiologia é diferente do bruxismo do sono, e normalmente não possui sintomas. É apenas um hábito adquirido que precisa ser mudado.
Tratamento multidisciplinar
O tratamento clássico da doença pode ser feito por meio de placas para proteger dentes e relaxar os músculos. Os dispositivos de avanço mandibular ou “placas de ronco” eram originalmente usadas por pessoas com dificuldades de passagem de ar ao dormir (apneia/hipoapneia), mas essa,s placas agora mostraram no estudo também reduzir significativamente o bruxismo do sono.
Grossi adverte que nem todos os casos podem ser tratados por cirurgiões-dentistas. “Se a pessoa tem problemas de bruxismo, ronco e apnéia, precisa procurar um laboratório do sono e ser avaliada por uma equipe médica, que vai investigar e fazer o diagnóstico. O tratamento então é multidisciplinar”, completa o especialista.
Um exame clínico correto vai indicar as possíveis causas do bruxismo. O tratamento vai desde uma simples orientação mastigatória com fisioterapia aplicada, até a necessidade de pequenos ajustes na oclusão removendo ou acrescentando material sobre os dentes, ou ainda com o uso de aparelhos ortopédicos funcionais.
A utilização de placas protetoras noturnas apenas impede um desgaste excessivo do esmalte dentário, porem modifica a altura da oclusão durante o período de uso. Durante o dia, sem a placa, a boca oclui em altura diferente podendo levar a uma desorganização do controle muscular.
Origem francesa
Nem de longe o termo bruxismo é algo relacionado à bruxaria. No vocabulário odontológico significa apertamento dos dentes. O termo é derivado do francês “la bruxomanie“, utilizado para identificar um problema dentário desencadeado pelo movimento anormal da mandíbula.
Na realidade, muitas vezes, o ato é involuntário. A cirurgiã-dentista Iara Hamaoka comprova o diagnóstico pelo padrão de desgaste dos dentes, relatos de dores de cabeça e músculos da mandíbula cansados ao acordar.
Normalmente o ruído é tão forte, em intervalos intermitentes, que se assemelham com o barulho do atrito de duas pedras de granito. Somente alguns casos são diagnosticados precocemente, pois a pessoa portadora desse hábito não sabe o barulho que faz e, muitas vezes, continua dormindo tranquilamente.
“Em compensação, a companheira ou companheiro que dorme junto é quem sofre ainda mais, mas, quase sempre, dá o alarme tardiamente, quando desgaste do dente e a queda na qualidade de vida do paciente já estão em fase adiantada”, comenta a especialista.
A “dor” do bruxismo se manifesta no ouvido (30%), em frente ao ouvido, na face, nas têmporas, na mandíbula ou no pescoço, no fundo ou atrás dos olhos e na nuca. |