Muita gente desconhece, mas o Brasil tem mais um título de campeão mundial. Pena que a conquista se dê no número de cesarianas realizadas. O índice brasileiro desse tipo de procedimento, segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS) chega a mais de 80% dos partos realizados, quando o inverso é que seria adequado, já que o número recomendado pela Organização Mundial da Saúde ? OMS gira em torno de 20%. Para o obstetra Ricardo Barini, da Universidade Federal de Campinas, não se trata de uma condenação simplista do recurso da cesárea, mas da sua utilização nos casos realmente necessários e nos quais o parto natural encontre impeditivos de natureza orgânico-fisiológica.
"Sempre que possível, o trabalho de parto deve ter início espontâneo", orienta o médico, que prefaciou a edição brasileira do livro "A Cesariana", do renomado obstetra francês Michel Odent, que acaba de chegar ao Brasil questionando o futuro de uma sociedade na qual a maioria dos bebês nasce com a ajuda desse recurso. Os especialistas reconhecem que, quando o parto não evoluir de maneira natural, fisiológica, deve-se recorrer ao procedimento, não, sem antes, oferecer a real possibilidade para que a mulher possa ter a dilatação do colo, processo facilitado por diversas técnicas, entre as quais, um banho de imersão de até duas horas, destaca Barini.
Hormônios do amor
Por que prescindir dos efeitos da "onda de hormônios do amor", aquele processo em que as glândulas femininas despejam na corrente sangüínea uma infinidade de fluidos que dão origem às contrações do útero, ao controle da dor pelas endorfinas, à produção e ejeção do leite, aquilo que faz a mulher reconhecer o choro do filho entre outras crianças, ou seja, os hormônios da maternidade, questiona Barini, em sintonia com Michel Odent, que foi pioneiro nos anos 70s da tese da humanização do parto.
O especialista diz que são muitas as causas que levam o país a obter o recorde no número de partos, entre elas, as cesarianas prévias, recomendadas para facilitar a vida dos médicos, que, assim, não precisam acompanhar durante horas um trabalho de parto. Constatação esta, muitas vezes, adicionada aos baixos salários da classe médica que obrigam o profissional a ter vários empregos. Conta muito também, no entender de Barini, a imagem distorcida que o sistema de saúde tem do parto, baseando-o no trabalho do médico. "Seria importante treinar profissionais que conduziriam o trabalho de parto e, nas emergências, chamariam o médico para acompanhar o procedimento", sugere.
Informações e esclarecimentos
Pelo lado da paciente, a opção pelas cesarianas é relacionada a uma possível comodidade e pelo medo de sentir dor, além dos mitos que incidem sobre o parto normal. Além disso, existe um conceito generalizado de que os custos com anestesias são aviltantes. Na verdade, esclarece Barini, mesmo pelo SUS, esse procedimento não tem custo nenhum para a gestante. Um consenso da Sociedade de Ginecologia do Paraná ? Sogipa sugere que os médicos esgotem todos os argumentos a favor do procedimento normal, antes de cogitar o parto cesariano.
O gineco-obstetra Antônio Alídio Vannucchi, enfatiza que, salvo algumas exceções, não se tem como saber se uma gestante vai ter parto normal ou não. Essa definição só ocorre na evolução do trabalho de parto. Entre outras vantagens do procedimento natural, ele cita a recuperação da mãe, que pode ir para casa e fazer exercícios, normalmente, no dia seguinte. "Na cesárea, a cicatrização pode levar algumas semanas e a recuperação total da mãe, em torno de dois meses", salienta o médico, observando que, além disso, os riscos de infecções no pós-parto são bem maiores. Ele lembra, também, que o bom senso é fundamental para que o parto se torne uma boa lembrança para todos, afinal, existe um desejo comum: que tudo corra bem e que a criança nasça sadia.
Parto sem medo
A melhor forma para lidar com as principais dúvidas que envolvem os casais "grávidos" é buscar informação. Em Curitiba, o Centro de Apoio às Mulheres e ao Casal Grávido (CEMUC) é o responsável, há quase 50 anos, pelo curso "Parto Sem Medo", criado pela Dra. Elisa Checchia Noronha, uma das primeiras médicas formadas no Paraná. O projeto, que tem o apoio da Associação Médica do Paraná (AMP), é coordenado pela médica obstetra Virgínia Merlin e já atendeu mais de dez mil casais. O curso é gratuito. As inscrições podem ser feitas nas lojas Xiquita e Drogamed, pelo telefone (41) 217-1780.