Na mensagem anterior ficou expressa a confiança nos êxitos do Encontro de Joahnnesburgo, África do Sul, sob os auspícios da ONU, para onde convergiram as atenções do mundo. Aspirava-se a abertura de novos horizontes para o desenvolvimento sustentável.
Ainda não se dispõe das conclusões do importante evento. Mas já se pode lamentar a resistência persistente dos maiores responsáveis pela poluição atmosférica. Contudo, expressivo número de países participantes, com destaque o Brasil, vem se empenhando na proteção do meio ambiente, bem como desenvolve gestões para que o mundo todo se conscientize e assuma posição solidária.
Sob o ponto de vista de qualidade de vida, há que se considerar que não basta viver, é importante viver bem. Cada criatura precisa e tem o direito à satisfação das atividades primárias, das quais se ressente ponderável parcela da humanidade. Para que os seres humanos possam, no seu conjunto, desfrutar condições de bem-estar físico e psíquico, econômico, ambiental e social, são necessárias mudanças sócio-culturais. Mas essas transformações esbarram numa série de conceitos e de sentimentos egoístas que dificultam e até impedem a concretização de iniciativas capazes de promover a harmonia social. Os próprios conceitos religiosos são violados. Em vez de conduzirem à unidade, pois todos se propõem a orientar o ser humano para o bem, não raro suscitam desavenças.
O cristianismo considera todo ser humano igual, criado à imagem e à semelhança de Deus, revestido da dignidade e dos direitos e deveres inerentes à condição de filhos de Deus.
Outras religiões, com seus princípios, também respeitam a dignidade do ser humano e a sua destinação eterna.
O ponto discordante e discriminatório está no conceito relativo à vida, respeitada em sua sacralidade, ou em sua qualidade. A grande diferença entre as duas correntes está no fato de que, enquanto a sacralidade da vida humana nivela todo ser humano, o conceito qualitativo permite a atribuição de valor relativo e desigual à vida humana, na dependência de suas qualidades diferentes de um para outro.
A Bioética defende que a qualidade de vida consiste em que cada ser humano disponha dos meios necessários a uma vida digna. Não inclui, obviamente, igualdade socialmente niveladora, o que seria utópico, impossível mesmo.
É preciso considerar a noção de personalidade. Cada ser humano é um mundo à parte, por mais pobre e oprimido que esteja. É um todo na sua individualidade e subsiste de maneira independente.
Ontologicamente, há que considerar a grandeza de cada pessoa, pois todas são concebidas como tendo uma natureza comum. Daí o valor individual no contexto social. Eis porque a dissolução da pessoa no social e no coletivo representaria a mais grave desordem, verdadeira ruína para a humanidade.
Diante destas considerações, ressalta a importância da Medicina como ciência que não discrimina. Não põe em confronto uns e outros semelhantes, como se máquinas fossem. O exercício profissional da Medicina considera cada ser humano com a sua personalidade ímpar e a sua dignidade e grandeza moral.
Cada ser humano é um elemento formador da sociedade. A individualidade da pessoa reúne o todo do mundo. Nela se assenta a organização social e a própria ordem jurídica. A noção do bem comum não pode resultar do valor dos bens materiais, mas do bem que se realiza em todos e em cada um dos integrantes da sociedade.
A Bioética considera em primeiro lugar o que é racionalmente válido para todo ser humano, independente até da sua crença religiosa.
Segundo o conceito que emana do Concílio Vaticano II, pela Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”, sobre a dignidade humana: “Tudo quanto existe sobre a Terra deve ser ordenado em função do ser humano como seu centro e seu termo”.
Ary de Christan
é médico.