A automedicação faz parte da cultura do brasileiro. No País, é grande o número de pessoas que, diante de qualquer mal-estar, optam em utilizar medicamentos (sejam eles líquidos ou comprimidos) indicados pelo parente, amigo ou vizinho ao invés de procurar auxílio médico.
No ano passado, segundo a Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Febrafarma), foram comercializadas cerca de 1,6 bilhão de unidades de medicamentos em território nacional. Desse total, cerca de 131,8 milhões só no mês de dezembro. Muitos chegaram às mãos dos consumidores sem prescrição.
?A automedicação é comum, mas não é saudável nem recomendável. O que é bom para uma pessoa pode não ser bom para outra?, diz o presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná, Donizete Dimer Giamberardino Filho. ?Uma prática corriqueira, além de ouvir amigos e familiares, é ir até uma farmácia e pedir orientação ao balconista. As pessoas até podem fazer isso, mas devem entender que elas mesmas serão responsáveis se alguma coisa ruim acontecer. Tudo é uma questão de bom senso.?
Uma das conseqüências da automedicação é que ela pode combater os sintomas e, assim, mascarar uma doença, muitas vezes considerada grave. Outra são os efeitos colaterais, que podem ser diferentes para cada indivíduo. ?Em pessoas com asma e bronquite, por exemplo, determinados medicamentos podem desencadear crises. Já em pessoas com hipertensão, certos remédios podem promover o aumento da pressão arterial. Pacientes com problemas de fígado ou renais também podem necessitar de dosagens diferenciadas, necessitando de orientação médica?, afirma.
Sobras
O não fracionamento dos medicamentos nas farmácias é um dos fatores que contribuem para a automedicação. É comum as pessoas precisarem, por exemplo, de vinte comprimidos de determinado medicamento e só encontrar no mercado caixas com trinta. Isso dá início às chamadas farmácias caseiras, nas quais as pessoas guardam as sobras acreditando que podem vir a precisar delas caso, futuramente, a doença volte a se manifestar. Muitas vezes, os produtos guardados chegam a passar do prazo de validade sem que a pessoa que o adquiriu perceba.
?No último mês de janeiro, o presidente Lula publicou um decreto prevendo o fracionamento dos medicamentos comercializados no País. Porém, este decreto ainda precisa ser aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e, enquanto isso não acontece, as pessoas devem tomar alguns cuidados essenciais?, declara o presidente do Conselho Regional de Farmácia do Paraná, Everson Augusto Krum.
O primeiro cuidado é, diante do retorno dos sintomas da doença, não utilizar as sobras do medicamento sem consultar o médico. Isso porque os sintomas podem ser semelhantes, mas o problema de saúde não ser o mesmo. As sobras devem ser conservadas em um armário, mas não em locais onde bate sol e em banheiro, onde geralmente existe umidade. Os medicamentos em forma líquida, principalmente os antibióticos, não devem ser guardados e reutilizados, pois após abertos costumam perder a validade muito rapidamente.
Os remédios nunca devem ser colocados em lixo comum ou jogados no vaso sanitário, o que pode prejudicar o meio ambiente. ?Eles devem ser muito bem embrulhados, lacrados e levados a uma farmácia, onde podem ter um destino adequado?, explica. A Anvisa vem desenvolvendo um regulamento para que, em todo Brasil, as farmácias e postos de saúde passem a receber as sobras de medicamentos. O objetivo é tanto combater a automedicação quanto promover a proteção ambiental.
Sesa atenta contra intoxicação
O armazenamento das sobras de medicamentos em locais inadequados faz com que haja aumento dos riscos de ingestões acidentais. Em Curitiba, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) mantém um serviço de consultoria 24 horas para casos envolvendo intoxicações, sejam elas pelo consumo de doses elevadas de medicamentos ou picadas de animais peçonhentos, como cobras e aranhas. O serviço é disponibilizado pelo Centro de Controle de Envenenamento, através do número 0800 410 148.
Do total de atendimentos, de acordo com a supervisora do centro, Marlene Entres, as intoxicações medicamentosas representam 45%. Muitas vezes, as pessoas se intoxicam em tentativas de suicídio, ingerindo uma dose elevada de substâncias consideradas bastante tóxicas. Porém, as maiores vítimas da ingestão acidental costumam ser as crianças entre um e quatro anos de idade. ?Na maioria das vezes, a intoxicação medicamentosa de crianças acontece por negligência dos pais, que deixam medicamentos em locais de fácil acesso?, comenta Marlene. ?É comum casos de crianças que ingerem em grande quantidade analgésicos, xaropes, remédios para pressão, antidepressivos e mesmo anticoncepcionais.?
Na hora de orientar os pais, os integrantes do Centro os aconselham a levar a criança o mais rápido possível a um serviço de saúde. Caso a família more em local afastado, os pais são orientados sobre como realizar um esvaziamento gástrico. ?Quando a criança é levada a um serviço de saúde, os pais não devem esquecer de também levar a embalagem do medicamento ingerido. Isto permite aos médicos identificarem com maior facilidade o princípio ativo. Geralmente as situações envolvendo crianças têm bom andamento, mas em alguns casos elas também podem falecer se não tiverem atendimento adequado?. (CV)
Idosos: maior preocupação
Os maiores adeptos da automedicação costumam ser os idosos. Como geralmente necessitam de uma grande quantidade diária de medicamentos, é aconselhável que os familiares estejam sempre atentos ao que eles consomem, em que horários e doses.
?Existem idosos bastante independentes, mas também os que necessitam da ajuda da família para tomar seus remédios de forma correta?, diz o geriatra Paulo Luiz Honaiser. ?Muitas vezes, as dificuldades começam pela deficiência visual, quando eles não conseguem ler as bulas dos medicamentos, que também costumam ser bastante confusas.?
Na opinião de Honaiser, para evitar que os tratamentos não sejam seguidos de forma adequada, os filhos, netos e outros familiares da pessoa idosa devem separar diariamente os medicamentos utilizados. Uma dica é separar as doses, colocando em caixinhas de plástico diferentes os medicamentos a serem consumidos pela manhã, tarde e noite, evitando que hajam misturas.
Também é aconselhável prestar atenção nos efeitos colaterais de cada medicamento e sempre acompanhar o idoso às consultas médicas, informando ao médico os medicamentos já consumidos. Isto pode evitar que haja interação medicamentosa. ?O idoso é uma pessoa mais frágil. Nele, o uso incorreto de medicamentos representa um risco maior.?
Cuidados
A professora Lidia Merege conhece bem o problema. Seu sogro e sogra, ambos com mais de oitenta anos de idade, tomam uma grande quantidade de medicamentos ao dia. Não são raras as vezes em que eles tomam um remédio no lugar de outro ou, acidentalmente, trocam entre si os medicamentos. A família precisa constantemente verificar o que está sendo consumido. ?A confusão acontece principalmente com os medicamentos de distribuição gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que possuem embalagens bastante parecidas?, comenta a professora. (CV)